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sábado, 8 de janeiro de 2022

O IMPACTO DA JUSTIFICAÇÃO/SANTIFICAÇÃO PELA FÉ NA MISSÃO

 O IMPACTO DA JUSTIFICAÇÃO/SANTIFICAÇÃO

PELA FÉ NA MISSÃO

Wilson Borba1


Resumo: A verdadeira experiência da justificação pela fé em Jesus Cristo é refletida em santificação pela fé, e também em missão pela fé. O artigo apresenta justificação, santificação, e missão, como um bloco de três experiências interligadas, contínuas e repetidas, com o objetivo de demonstrar o impacto da justificação/santificação pela fé na missão. Conclui-se que a falta de envolvimento na missão pode constituir-se em uma negação da genuinidade da experiência diária da justificação/santificação pela fé.

Palavras chaves: Evangelho. Justificação pela fé. Santificação pela fé. Missão pela fé.

I. INTRODUÇÃO

Deus tem uma missão para sua Igreja. Porém, em alguns casos a Missio Dei2 tem sido distorcida pela influência de teologias emergentes e relegada a aspectos antropocêntricos (GUIMARÃES, 1984, p. 25-165; XAVIER, 2011, p. 15-142). Parece haver uma ruptura e descontinuidade entre o que Deus faz por nós, em nós e através de nós (Gl 2:20; 1Co 15:10), como se algum destes aspectos não fosse obra de Deus. Paradoxalmente, muitos creem em justificação, e santificação pela fé, mas aparentemente se satisfazem com uma experiência teórica sem resultar na transformação do coração, e no cumprimento da grande comissão dada por Cristo (Mt 28:18-20).

O objetivo específico deste artigo é apresentar evidências bíblicas, do impacto da justificação/santificação pela fé na missão de salvar pessoas. Tais evidências, o autor corroborou principalmente com citações do Espírito de Profecia, e escolheu Paulo, para demonstrar o poder transformador do evangelho e o impacto da justificação/santificação pela fé que resulta na missão. Outro objetivo do artigo é motivar os leitores a

1Doutor em Teologia. UPeU-Pe; Doutor em Teologia Pastoral. Unasp-EC. Mestre em Teologia Unasp-EC. Mestre em Sagrada Escritura. UPeU-Pe. Serviu como professor e diretor de Seminários de teologia da Igreja Adventista do Sétimo Dia na América do Sul. Atualmente pastoreia igrejas no interior de São Paulo. Brasil. wilsonborba70@gmail.com.

2Por Missio Dei deve-se entender o trabalho divino contínuo em favor da salvação dos seres humanos pecadores. Esta obra pertence a Deus, mas Ele chama e responsabiliza seres humanos para colaborar em Sua missão. Para um estudo sobre a Missio Dei ver: BOSCH, David J. Missão transformadora: mudanças de paradigma na teologia da missão. São Leopoldo, RS: Sinodal, 2002; SOUZA, Elias Brasil de. Teologia e metodologia da missão: viii simpósio bíblico-teológico sul-americano. Cachoeira, BA: CePLiB, 2011; RODRIGUEZ, Angel Manuel. Message Mission and Unity of the Church. Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 2013.

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experimentar o poder extraordinário do evangelho de Jesus Cristo em suas vidas, e envolverem-se em ativa missão de evangelização. A figura a seguir apresenta um processo do impacto da justificação/santificação pela fé que se reflete na missão da pregação do evangelho.

Figura 1. O Processo do Impacto da Justificação/Santificação pela Fé na Missão

Fonte: Próprio autor.

A experiência da santificação pela fé foi incluída na sequência iniciada pela justificação pela fé, para evitar “a separação das duas, o que ilegitimamente vai além da distinção que Paulo faz das mesmas” (LARONDELLE, 1982, p. 20). É esclarecedor que neste estudo, as experiências da justificação pela fé e da santificação pela fé, equivalem ao Cristo por mim e em mim, e por sua vez, a missão pela fé, ao Cristo através de mim.

Entretanto, a união destes aspectos não se destina a ensinar justificação pelas obras nem confundir as experiências. Na figura, a santificação e a missão devem ser interpretadas como resultados da justificação pela fé, “por meio de um só, a saber, Jesus Cristo” (Rm 3:24; 5:17; 1Co 15:10). A base para a salvação é a graça de Deus.

Qualquer outro elemento, tal como arrependimento, reconciliação, regeneração, reforma, novo nascimento, ou santificação, não constituem a base da salvação. A base da salvação é a graça de Deus – aqueles outros elementos são pela ação do Espírito Santo, resultado da nossa aceitação de sua graça e amor (RODOR, 2015, p. 80).

Por outro lado, a inserção do aspecto da santificação não visa ensinar que o indivíduo deva esperar uma vida inteira para se envolver na obra de salvar pessoas. Pelo contrário, é uma pressuposição indicativa de que sem a experiência da justificação/santificação ele permanece despreparado espiritualmente para a missão.

Já em referência a expressão “missão pela fé” é vital esclarecer que Deus é o fundador tanto do evangelho como da missão desde a eternidade (Apocalipse 14:6-12). Por Ele ser o Senhor tanto do evangelho como da missão, toda autoridade pertence somente a Ele (Mt 28:18-20). Pessoas como Paulo e Apólo são apenas instrumentos mortais de participação pontilear e eventual, enquanto a atuação de Deus na liderança de Sua missão é linear e contínua (1Co 3:6). Portanto, a missão é um processo de dependência de Deus que só pode ser realizada pela fé nEle (Rm 9:28; Hc 2:3,4; 3:2).

Justificação pela fé

(Cristo por mim)

Santificação pela fé

Missão pela fé

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Esta breve investigação foi dividida em quatro partes. A primeira é a introdução, onde é indicada a natureza bíblica, teológica, aplicada e descritiva do trabalho. Já na segunda seção, se exporá o impacto transformador da justificação/santificação pela fé, e por sua vez, na terceira parte será apresentado o impacto da justificação/santificação pela fé na missão de salvar pessoas. Finalmente, na conclusão do trabalho, como resultado da investigação serão compartilhadas algumas conclusões e recomendações.

II. O IMPACTO TRANSFORMADOR DA JUSTIFICAÇÃO/SANTIFICAÇÃO

Na monumental epístola de Paulo aos Romanos, escrita provavelmente no ano 57-58 d.C., em Corinto (NICHOL, 2014a, p. 509), ele apresenta a doutrina da justificação pela fé.3 Neste documento pode-se perceber a profunda compreensão que este apóstolo tinha do evangelho de Jesus Cristo, e da justificação pela fé nEle, bem como o impacto transformador em sua vida, que resultou em uma poderosa missão aos gentios. "E Deus, pelas mãos de Paulo, fazia maravilhas extraordinárias" (At 19:11). Ao introduzir o tema, o apóstolo Paulo declara a principal tese da epístola: “Não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego; visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé como está escrito: o justo viverá por fé” (Rm 1:16, 17). Pereyra considera que em relação ao contexto histórico no qual foi escrito este texto, é possível afirmar que sistematicamente o conteúdo da mensagem pregada pela igreja primitiva foi a paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Contudo:

Este conteúdo cristológico, possivelmente interpretado pelos líderes religiosos judeus como um ataque real ao templo e à lei, com o intuito de sacudir os fundamentos da existência e esperança judaica, foi ofensivo aos líderes religiosos e trouxe uma imediata reação em defesa da identidade judaica, a perseguição aos cristãos (At 2:22-40; 3:11-4:3; 5:14-42).4

Pela mesma pregação cristológica, Paulo sofreu uma constante oposição e atroz perseguição dos judeus em Damasco (At 9:20-24), Antioquia da Pisídia (13:14, 50), Icônio (14:1, 5-6), Listra (14:6, 19-20), Tessalônica (17:1-12, 1Ts 2:13-16), Bereia (At

3Para um estudo adicional sobre justificação pela fé ver: BLAZEN, Ivan T. “Salvação”, em DEDEREN, Raoul. Tratado de teologia adventista do sétimo dia. 1ª ed. Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2011; GULLEY, Norman R. Systematic Theology: Creation, Christ, Salvation. Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 2012. p. 570-849. ROSCHER, Silvia Scholtus de. Exégesis paulina: um análisis de romanos 1-5. Libertador San Martin: Editorial Universidad Adventista del Plata, 2016. p. 1-371; BORBA, Wilson, “Justificação pela fé, Sete Verdades Fundamentais”, Revista Norteteológico, nº 1, (2017), p. 69-101.

4O autor deste artigo credita ao professor e Dr. Roberto Pereyra informações e sugestões fundamentais referentes ao contexto da carta de Paulo aos Romanos.

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17:13-14), Corinto (18:6, 12-17), Grécia (20:2-3), Ásia (20:19) e Jerusalém (21:17-36; 28:17-20). Claramente, o contexto é de agressão ao cristianismo. Entretanto, para alguns estudiosos, Paulo usa uma figura de linguagem chamada litotes5 (CRANFIELD, 2004, p. 86), e quer dizer pelas palavras "não me envergonho" “que ele se gloria no Evangelho e considera alta honra proclamá-lo” (BRUCE, 1986, p. 41). Contudo, parece que o real propósito de Paulo não era fazer uso de retórica. Segundo Pereyra, o contexto indica que o apóstolo Paulo usou o verbo ἐπαισχύνομαι epaiskunomai em Romanos 1:16 (1ª pessoa, singular, presente, indicativo, voz media)6, que pode ser traduzido por [não me] "envergonho” no sentido de "confessar", e de "ser uma testemunha" do evangelho de Cristo (PEREYRA, 2017). Por sua vez, a palavra evangelho, ευαγγέλιο, significa boas novas.7 Trata-se das boas novas da salvação anunciadas por Cristo (Mc 1:14, 15), e seus discípulos (Mc 16:15; At 4:12; 8:25; 8:40; 15:7; Rm 15:16; 1Co 15:1-4; 1Ts 2:9). A salvação para todo aquele que crê em Jesus Cristo, é o grande tema do evangelho. Esta característica inclusiva e universal do evangelho de Jesus Cristo é apresentada nas Escrituras (Mt 28:19; Jo 1:9; 3:16; 4:42; At 1:8; 10:34-36; 17:30, 31; Gl 3:8; Ap 14:6). Paulo e os demais apóstolos de Cristo ardorosamente pregaram o evangelho do reino de Deus (Rm 1:1, 9; 15:16, 19; 1Co 9:12; 2Co 4:4; 9:13; 10:14; 11:7; 1Ts 2:2, 8-9; 3:2; 1Tm 1:11; 1Pd 4:17). A propósito, este é o evangelho que salva, pois “o único evangelho que salva é o evangelho da graça de Deus revelada em Jesus Cristo. Qualquer outro evangelho é falso e amaldiçoado” Gl 1:6-9 (WIERSBE, 2006, p. 910). Barclay surpreendeu-se ao pensar na alegria de Paulo, tendo em vista o pano de fundo das duras dificuldades enfrentadas por este apóstolo para pregar o evangelho.

Paulo foi prisioneiro em Filipos, foi deslocado de Tessalônica, fugiu da Beréia, escarneceram dele em Atenas. Tinha pregado em Corinto onde sua mensagem foi uma insensatez para os gregos e uma pedra de escândalo para os judeus, e sobre este pano de fundo Paulo declara estar orgulhoso do Evangelho. Havia algo no

5Litotes: É uma figura de linguagem. “Apesar de ser frequentemente utilizada pelos falantes do português, é pouco discutida em sala de aula. Ao empregarmos a litotes, nós afirmamos por meio da negação”. Disponível em: https://mundoeducacao. bol.uol.com.br/gramatica /litotes-figura-linguagem.htm.

6Algumas explicações sobre o tempo, o modo e a voz do referido verbo grego. O tempo presente: Com este tempo de verbo o autor representa uma ação em processo, ou um estado que ocorre no presente sem especificar o fim da ação. O modo indicativo: O autor representa algo atual, e real. A voz média: Esta voz gramatical indica que o sujeito do verbo é o recipiente de sua própria ação ou está atuando sobre si mesmo (HEISER, Michael S. 2005).

7O verbo evangelizomai (Aristófanes), evangelizo, uma forma que só se encontra no Grego posterior, juntamente com o substantivo adjetival evangelion (Homero) e o substantivo evangelhos (Ésqui.) são todos derivados de angelos, “mensageiro” (é provável que originalmente fosse uma palavra iraniana tomada por empréstimo), ou do verbo angello, “anunciar”; (Anjo), evangelhos, “mensageiro”, é aquele que traz uma mensagem de vitória ou quaisquer outras notícias políticas ou pessoais que causam alegria. BROWN, Colin. Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1989. p. 167.

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Evangelho que o fazia triunfalmente vitorioso acima do que os homens pudessem lhe fazer (BARCLAY, 1957, p. 9).

Em primeiro lugar, Paulo se gloriava no evangelho devido ao seu grande poder para salvar. A palavra poder é tradução do termo grego δύναμις dinamis, que “sugere a capacidade inerente de alguma pessoa ou coisa para realizar algo, seja físico, espiritual, militar ou político” (BRUCE, 1986, p. 573). Entretanto, o apóstolo Paulo não disse que o evangelho tem o poder de Deus, mas que o evangelho é “o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê”. A razão dada é porque Deus escolheu o evangelho como a “maneira de exercer Seu poder para salvar pessoas” (NICHOL, 2014, p. 519). Não se trata de “fábulas engenhosamente inventadas” (2Pd 1:16). Em acordo LaRondelle afirma: “o evangelho de Cristo não é uma filosofia ou uma ideologia, mas o poder de Deus para a salvação de todos os que creem de todo coração em Cristo como seu Salvador pessoal e Regente de sua vida” (LARONDELLE, 1988, p. 11). Confirma Nygren, “no es la presentación de una idea, sino la operación de un poder. Cuando es predicado, no se trata solamente de una palabra que se pronuncia, sino de algo que acontece” (NYGREN, 2010, p. 62-63). Entretanto, para que o evangelho seja realmente efetivo na vida de pessoas, necessitam-se crentes transformados e comprometidos, enviados a pregar a mensagem de Deus: “Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão se não forem enviados? Como está escrito: Quão formosos são os pés dos que anunciam coisas boas!” (Rm 10:14). Sem dúvida, a conversão maravilhosa de Paulo, demonstra “de modo surpreendente o miraculoso poder de Cristo em levar convicção à mente e ao coração do homem” (WHITE, 2004, p. 29). Contudo, o impacto do poder do evangelho da justificação pela fé em Paulo só poderá ser exatamente dimensionado, ao ter em mente como ele viveu em sua religião anterior. “O princípio de que o homem se pode salvar por suas próprias obras, e que jaz à base de toda religião pagã, tornara-se também o princípio da religião judaica. Implantara-o Satanás” (WHITE, 2013b, p. 35-36). Para Gulley, “antes de se encontrar com Cristo, Saulo esteve claramente empenhado em tentativas de ganhar a salvação através da guarda da lei, o que ele posteriormente, chamou de "justiça legalista" (GULLEY, 2012, p. 587). Na verdade, Saulo foi o campeão daquela justiça legalista em Israel (Gl 1:13-14; Fp 3:4-6), e em seu fanatismo destacou-se como o mais feroz perseguidor dos cristãos (At 21:39-22:1-5).

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Sendo um “homem de mentalidade decidida e força de propósito, tornou-se implacável em sua oposição ao Cristianismo” (WHITE, 2004. p. 25). Entretanto, na entrada da cidade de Damasco, quando ele foi envolvido por “uma luz do céu, mais resplandecente que o sol” (At 26:13), viu e ouviu a Jesus Cristo ressuscitado dizendo: “Saulo, Saulo, porque me persegues? Dura coisa é recalcitrares contra os aguilhões” (vs.14). “As palavras faladas lhe atingiram o coração com terrível força” (WHITE, 2013b, p. 115). Na ocasião, Saulo recebeu uma “iluminação celestial”:

Os registros proféticos das Escrituras Sagradas abriram-se-lhe à compreensão. Viu que a rejeição de Jesus pelos judeus, Sua crucifixão, ressurreição e ascensão tinham sido preditas pelos profetas e demonstravam ser Ele o Messias prometido (WHITE, 2013b, p. 115).

Paulo chegou ao entendimento de que “a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: o justo viverá por fé” (Rm 1:17), e “foi transformado, em total reverência pela justiça de Cristo, tão diferente de sua tentativa de justiça própria, que era apenas lixo por comparação” (GULLEY, 2012, p. 587). Aos Romanos, o mesmo apóstolo também demonstrou, “que todos, tanto judeus como gregos” estavam “debaixo do pecado; como está escrito: Não há justo, nem um sequer” (Rm 3:9, 10). Na verdade, todos os seres humanos desprovidos da justiça de Deus, estão em uma “sombria procissão rumo à ruína eterna - para a morte em que não há nenhuma esperança de vida, para a noite que não tem alvorecer” (WHITE, 2013b, p. 27). Após fazer sob inspiração, uma legítima acusação a gentios e a judeus nos capítulos 1 e 2, o mesmo apóstolo declara: “Mas, agora, sem [as obras da] lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que creem; porque não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm 3:21-23). O “agora” aponta para Cristo, e o seu sacrifício todo suficiente realizado uma vez por todas na cruz do Calvário (Hb 10:10; 1Pd 3:18). A justiça de Deus é “sem lei”, isto é, sem as “obras da lei” (Rm 3:21). Paulo combateu essa falsa ideologia judaica, pois a justificação é unicamente pela fé em Jesus Cristo (Gl 2:16). Entretanto, Paulo não anulou a lei dos Dez Mandamentos (Rm 3:31). Ele anulou o legalismo, isto é, as ‘obras da lei’ (BORBA, 2017, 74-75).8 O apóstolo Paulo foi coerente em ensinar que a justificação jamais poderia ser por um 8A expressão ἔργων νόμου “obras da lei” em Romanos 3:20 refere-se ao judaísmo do tempo do apóstolo Paulo que ensinava erroneamente a justificação pela obediência à lei. No texto grego não aparece o artigo junto à palavra lei. “Embora a palavra νόμου no verso 20 apareça sem artigo, e nessa forma pode designar qualquer lei, e para conhecer qualquer pecado tem que haver alguma lei, não é qualquer lei que revela o pecado, senão a lei dos Dez Mandamentos” (HANNA, 1993, p. 382).

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esforço humano de guardar a lei de Deus, porque a lei de Deus não foi dada para salvar. A legítima função da lei é revelar o pecado e guiar o pecador ao Senhor e Salvador Jesus Cristo (Rm 3:20; Gl 3:24). “Ao olharmos no espelho divino – a lei de Deus vemos a excessiva malignidade do pecado e nossa condição de perdidos, como transgressores” (WHITE, 2012f, p. 51). O transgressor descobre sua completa miséria e incapacidade, pois: “A lei requer justiça - vida justa, caráter perfeito; e isso não tem o homem para dar. Não pode satisfazer as reivindicações da santa lei divina” (WHITE, 2013b, p. 726). De forma universal os seres humanos estão “mortos em delitos e pecados”, e são “filhos da desobediência” e da “ira” (Ef 2:1-3). Portanto, devido a essa pecaminosidade humana inerente, a salvação somente poderia ser pela graça de Deus (Rm 3:24; Ef 2:8).

“O perdão divino certamente não poderia ser comprado e vendido, dizia Lutero, uma vez que Deus o oferece gratuitamente” (CURTIS, A. Kenneth; LANG, J. Stephen; PETERSEN, Randy, 1991, p. 93). A propósito, a poderosa luz da justificação pela fé “dissipou as trevas que envolviam a mente de Lutero e revelou-lhe o poder do sangue de Cristo para purificar do pecado” (WHITE, 2013c, p. 374). Lutero havia lutado com o tema da justiça de Deus em Romanos 1:17, e conceitos chaves entre Romanos 3:10 e 4:7 (GARCIA, 2008, p. 434). Dia e noite ele meditava no assunto, até que se convenceu de que a justiça apresentada no evangelho não era exigida do homem, mas oferecida ao crente pelo evangelho (FRANZEN, p. 261). “Somente pela fé” era possível alguém tornar-se justo diante de Deus (CAIRNS, p. 260). Impactado, Lutero declarou:

A mesma frase “a justiça de Deus” que anteriormente me parecia odiosa, tornou-se agora aquela que eu mais amava mais que todas as outras. Foi assim, que aquela passagem paulina tornou-se para mim a porta do paraíso. Finalmente, a Escritura inteira mostrou-me outra face (LUTERO, 1968, p. 336).

É notável que a justiça de Deus “é testemunhada pela lei e pelos profetas” (Rm 3:21). Para confirmar, Paulo apresenta Abraão representando os que foram justificados pela fé no período dos escritos da Lei, e a Davi, no tempo dos Profetas. Estas Escrituras ensinam a justificação pela fé (Gn 15:6; Rm 4:6-24; Gl 3:29; Hb 11:4-13; Tg 2:23), a qual é parte do evangelho eterno, que tem sido pregado aos seres humanos desde a queda (Gl 3:8; Ap 14:6; 13:8). E não poderia ser diferente ao considerar a eternidade do evangelho, a indistinta necessidade de todos os pecadores, e a imparcialidade da “justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo sobre todos os que creem” (Rm 3:22). Em essência, a experiência de conversão de Paulo foi semelhante a dos conversos no dia do Pentecostes. Quando Pedro, cheio do Espírito Santo pregou o evangelho, seus ouvintes impactados e convictos perguntaram: “Que faremos irmãos?” (At 2:37, 38).

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Assim, Saulo igualmente perguntou ao Jesus glorificado: “Que farei Senhor?” (At 22:10). Sob forte convicção, pela ação do Espírito, Saulo arrependeu-se, e foi transformado em novo homem, humilde e zeloso seguidor de Jesus Cristo (Gl 2:20). O mesmo Espírito que atuou nos ouvintes de Pedro também impressionou a Saulo para levá-lo à convicção, ao arrependimento, ao novo nascimento, e ao batismo (At 9:9, 17, 18; 22:16). Tal arrependimento envolve “tristeza pelo pecado e o afastamento dele” (WHITE, 2008, p. 17). O arrependimento ocorre unicamente pela bondade de Deus (Rm 2:4). Graças à atuação do Espírito Santo em convencer o pecador, ele se entristece pelas ofensas cometidas contra Deus, e abandona seus pecados (João 3:3-14; 16:7-11). E esta “tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação” (2Co 7:10). O arrependimento sincero e a confissão dos pecados como atuação da graça de Deus devem preceder a justificação (Pv 28:13; 1Jo1:9; Lc 23:40-43; At 2:38; 8:37). “Se o pecador se arrepende e confessa os seus pecados, achará perdão. Pelo sacrifício de Cristo em seu favor, é-lhe assegurado perdão. Cristo satisfaz às reivindicações da lei para cada pecador arrependido e crente” (WHITE, 2012f, p. 51). “A justiça de Cristo lhe é imputada, e ele não mais deve duvidar da graça perdoadora de Deus” (WHITE, 1995, p. 325). A justificação pela fé ocorre mediante a justiça imputada, que resulta na justiça comunicada de Cristo (Rm 4:3-8), pois “a justiça pela qual somos justificados é imputada; aquela pela qual somos santificados é comunicada” (WHITE, 2012a, p. 35). É oportuno lembrar, que “o perdão e a justificação são uma e a mesma coisa” (WHITE, 1962, p. 49), e que o perdão de Deus “é não somente perdão pelo pecado, mas livramento do pecado. É o transbordamento de amor redentor que transforma o coração” (WHITE, 2013e, p.114). Isto envolve mais do que uma declaração judicial de perdão aliviando a culpa do pecador. Inclui “remover nossos pecados e encher o vácuo com as graças do Espírito Santo” (WHITE, 2013d, p. 420). Paulo fez uma retrospectiva aos Gálatas, revelando-lhes como foi sua vida depois da conversão. De forma magistral ele testemunhou-lhes sobre o impacto transformador da justificação pela fé. “Logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gl 2:20). Segundo Beet, “através da morte de Cristo, a velha vida de Paulo chegou ao fim” (BEET, 1999, S. Gl. 2:20). Em um aspecto o apóstolo estava crucificado e morto, mas em outro ele vivia (HENRY, 2008, p. 553). Nesse texto, Paulo apresenta uma integração entre justificação e santificação, de modo que o impacto da justificação é refletido em santificação. Para LaRondelle, a

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justificação de Deus tem dois aspectos inseparáveis: o aspecto judicial e o de poder dinâmico, os quais são protegidos por Paulo poderosamente em uma “unidade intrínseca de Cristo, de fé e amor por nós e em nós” (LARONDELLE, 1982, p. 15). Segundo este mesmo autor, “a justificação e a santificação são apenas uma porque o homem não é justificado pela fé e obras (o amor acrescentado à fé), mas pela fé que opera” (Ibidem, p. 16). Em acordo, Wilson adverte os Adventistas do Sétimo Dia a não separar o que Cristo faz por nós e em nós, integrado no evangelho eterno da justificação pela fé.

Não é possível separar o que Cristo faz POR nós (justificando-nos diariamente como se não tivéssemos pecado) do que ele faz EM nós (santificando-nos dia a dia ao nos submetermos a Ele, permitindo que o poder do Espírito mude nossa vida para que nos tornemos mais e mais semelhantes a Jesus). Este é o evangelho eterno falado na mensagem do primeiro anjo. É a justificação pela fé (WILSON, 2010).

Já Knight enfatiza que a descrição mais básica da salvação no Novo Testamento “não é justificação nem santificação, mas estar em Cristo” (KNIGHT, 2005, p. 182). Assim, “o quadro bíblico é de que as pessoas ao mesmo tempo em que são justificadas também nascem de novo e são transformadas” (Ibidem). O impacto da justificação pela fé deveria resultar na experiência da santificação, pois “Cristo lhes comunica os atributos divinos. Forma o caráter humano segundo a semelhança do caráter de Deus, uma esplêndida estrutura de força e beleza espirituais" (WHITE, 2013b, p. 762).

Já Canale lembra que os primeiros adventistas integravam a justificação à santificação. “A justificação era o perdão e estava incluída no processo de santificação. Não que não houve justificação, mas que a justificação não era a experiência total da salvação. Vinculavam a justificação à santificação” (CANALE, 2012, p. 15). White corrobora a ideia de vincular a justificação com a santificação ao afirmar que: Muitos cometem o erro de tentarem definir detalhadamente os pontos sutis de distinção entre justificação e santificação. E ao fazê-lo trazem muito de suas ideias próprias e especulações. Por que tentar ser mais minucioso do que a Inspiração na questão vital da justificação pela fé? (WHITE, 1959, p. 116).

Os primeiros adventistas evitavam fazer confusão entre uma coisa e outra, e não se contentavam apenas com a experiência da justificação pela fé. A santificação pela fé era uma evidência de que realmente foram justificados pela fé. A propósito, alguns propõem “um tipo de predestinação na história como se Deus decretasse a salvação eterna baseada na experiência uma vez salvo, para sempre salvo” (GULLEY, 2012, p. 702), Deve-se lembrar que, embora Lutero amasse as Escrituras (WHITE, 2013f, p. 160), a sua teologia quanto à salvação não foi isenta de falhas (PEASE, 2002, p. 20).

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Na verdade, “tanto Lutero quanto Calvino interpretavam a Bíblia de forma filosófica” (ARAÚJO, apud McGrath, 2017, p. 74). Para Canale, ao Lutero construir sua ideia de salvação sobre uma base ontológica neoplatônica “desconectou a salvação (justificação pela fé) do estilo de vida (santificação)” (CANALE, 2012, p. 58-59).

Segundo Lutero a obediência que resulta da justificação seria apenas um sinal simbólico que não envolve o cumprimento da lei, porque a salvação ocorre no mundo espiritual, e a obediência no mundo temporal (Ibidem, p. 54-56). O resultado pode ser visto na secularização e perda do compromisso missionário dos segmentos luteranos. O impacto da justificação pela fé na missão parece estar relacionado com a devida relação e renovação diária da experiência da justificação pela fé integrada à santificação pela fé.

II. O IMPACTO DA JUSTIFICAÇÃO/SANTIFICAÇÃO PELA FÉ NA MISSÃO

Na extraordinária visão de Saulo, o Jesus ressuscitado disse ao perseguidor:

Mas levanta-te e firma-te sobre teus pés, porque para isto te apareci, para te constituir ministro e testemunha, tanto das coisas em que me viste como daquelas pelas quais te aparecerei ainda, livrando-te do povo e dos gentios, para os quais te envio, para lhes abrires os olhos e os converteres das trevas para a luz e da potestade de Satanás para Deus, a fim de que recebam eles remissão de pecados e herança entre os que são santificados pela fé em mim (At 26:16-18).

Saulo passou três dias cego em Damasco, sem nada comer e beber (At 9:9). Foi um período de oração, e profundo arrependimento, de modo que “Cristo e Sua justiça passaram a representar para Saulo mais que o mundo inteiro” (WHITE, 2013c, p. 120). A seguir, ele recebeu a visita de um discípulo chamado Ananias, que lhe disse:

Saulo, irmão, o Senhor me enviou, a saber, o próprio Jesus que te apareceu no caminho por onde vinhas, para que recuperes a vista e fiques cheio do Espírito Santo. Imediatamente lhe caíram dos olhos como que umas escamas, e tornou a ver. A seguir, levantou-se e foi batizado (At 9:17-18).

Naquela ocasião, Ananias lhe informara: “porque terá de ser sua testemunha diante de todos os homens, das coisas que tens visto e ouvido” (At 22:15). Provavelmente, já antes do batismo, Ananias também lhe contou as palavras do Senhor Jesus Cristo: ”Vai, porque este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis; bem como perante os filhos de Israel” (At 9:15). Segundo White, Cristo colocou Saulo em contato com Sua igreja (At 22:10; 9:10-15), para ser “um aluno dos discípulos” (WHITE, 2013h, p. 273), e também reconhecer a autoridade de Sua igreja organizada (WHITE, 2013c, p. 122). De seus irmãos em Cristo Saulo deveria aprender que “Cristo foi o originador de todo sistema sacrifical judaico;

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que Ele veio ao mundo com o expresso propósito de reivindicar a lei de seu Pai; e que em Sua morte a lei típica encontrou-se com o antítipo” (WHITE, 2013h, p. 273).

O impacto da justificação/santificação em Saulo resultou não só em arrependimento e novo nascimento (Jo 3:3, 5; 2Co 5:17), mas em imediato envolvimento missionário ao realizar pregações nas sinagogas da cidade de Damasco.

E logo pregava, nas sinagogas, a Jesus, afirmando que este é o Filho de Deus. Ora, todos os que o ouviam estavam atônitos e diziam: Não é este o que exterminava em Jerusalém os que invocavam o nome de Jesus e que aqui veio precisamente com o fim de os levar amarrados aos principais sacerdotes? Saulo, porém, mais e mais se fortalecia e confundia os judeus que moravam em Damasco, demonstrando que Jesus é o Cristo (At 9:20-22).

Saulo exemplifica o princípio de que “a salvadora e santificadora verdade não lhe pode ficar fechada no coração” (WHITE, 2013b, p. 141), e que “todo verdadeiro discípulo nasce no reino de Deus como missionário” (WHITE, 2013j, p.102). Entretanto, Saulo deveria passar três anos na Arábia a fim de ser preparado para o ministério (Gl 1:18). Aos Gálatas, ele revelou como este propósito se cumpriu:

Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse aos gentios sem detença não consultei carne e sangue, nem subi a Jerusalém para os que já eram apóstolos antes de mim, mas parti para as regiões da Arábia e voltei, outra vez para Damasco (Gl 1:16-17).

O fato de Paulo não consultar carne e sangue não deveria ser interpretado como independência da igreja organizada. Na verdade, ele estava enfatizando aos Gálatas a natureza divina da revelação do evangelho (Gl 1:11, 12), e a evidência da mesma origem de sua comissão (NICHOL, 2014a, p.1039). Deve-se agregar a esse motivo sua decorrente e imediata necessidade de ir para o deserto da Arábia “a fim de estudar ali as Escrituras e aprender acerca de Deus” (WHITE, 2013g, p. 65). Alguns podem raciocinar que o único objetivo de Paulo em ir para a Arábia foi estudar as Escrituras, de modo que ao final de três anos estava preparado para a missão. Mas esta é apenas uma parte da realidade. Paulo “desejava estar sozinho com Deus, para examinar seu próprio coração, para aprofundar seu arrependimento e preparar-se pela oração e estudo para empenhar-se num trabalho que lhe parecia demasiado grande e demasiado importante para tomar a seu cargo” (WHITE, 2013h, p. 274-275). É impressionante e até revolucionário o método de Deus para por em cumprimento Sua missão de evangelizar os gentios. Note as palavras: “Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse aos gentios...” (Gl 1:15, 16). Com muita antecedência o Senhor escolheu o homem certo, neste caso, a

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Paulo. Trouxe este homem em comunhão com Ele, e revelou Seu Filho nele, para que O pregasse aos gentios. Este era um método novo para o ex-fariseu. Os fariseus eram tremendamente ativos em fazer proselitismo, mas em seu zelo percorriam a terra e o mar para fazer um prosélito, e, uma vez feito, tornavam-no filho do inferno duas vezes mais do que eles (Mt 23:15). Eles não buscavam a justificação pela fé em Cristo, que resulta em santificação e missão pela fé no Filho de Deus. Consequentemente, tornavam sua religião uma prática de aparente piedade meramente exterior e presunçosa.

O mesmo perigo existe ainda hoje. À medida que aumenta a atividade, e os homens são bem-sucedidos em realizar alguma obra para Deus, há risco de confiar em planos e métodos humanos. Vem a tendência de orar menos e ter menos fé. Como os discípulos, arriscamo-nos a perder de vista nossa dependência de Deus, e fazer de nossa atividade um salvador (WHITE, 2013b, p. 362).

Para evitar este grave erro e desvio de foco, White adverte: “Necessitamos olhar continuamente a Jesus, compreendendo que é Seu poder que realiza a obra (Ibidem). Parece que talentos pessoais, métodos, ferramentas de trabalho tendem a exercer um fascínio sobre muitos ao ponto de olvidar o preparo espiritual para a missão. Atualmente, a Igreja Adventista do Sétimo Dia dispõe de uma lista de bons métodos para auxiliar no cumprimento da missão, por exemplo: evangelismo público, colportagem, duplas missionárias, cursos bíblicos, pequenos grupos, classes bíblicas, etc. A lista pode ser aumentada, e também enriquecida com vários recursos tecnológicos disponíveis tais como: TV, rádio, computador, tablet, projetor de vídeo, power point.

Geralmente, os obreiros da Igreja são amparados com salário manutenção, auxílios equipamentos, verbas para evangelismo, e dispõem de bons carros. Alguns são exímios pregadores, cantores, e entendidos em programas de computação. Ainda pode se acrescentar as vantagens acadêmicas de um programa de mestrado ou doutorado.

Cada um desses métodos, e recursos mencionados tem sua utilidade e relevância. E certamente há necessidade de que “meu talento” seja usado como “meu ministério” (MIRANDA, 2017). Mas, existe o perigo real de enfatizar o “impacto dos dons” (SILVA, 2011), e relegar a um plano inferior o aspecto principal, isto é, o impacto da justificação pela fé que resulta em santificação e missão pela fé, pois dons, talentos, métodos, e recursos tecnológicos embora úteis, constituem-se apenas em auxiliares.

Por outro lado, a magnífica estrutura denominacional da Igreja Adventista do Sétimo Dia pode fascinar alguns obreiros e membros, e a exemplo dos primeiros discípulos admirar mais a estrutura em si, do que “os incomparáveis encantos de Cristo” (Mc 13:1). Sem dúvida, a estrutura é fundamental à pregação do evangelho, pois “a

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igreja de Cristo na Terra foi organizada para fins missionários, e o Senhor deseja ver a igreja toda idealizando meios e planos pelos quais, grandes e pequenos, ricos e pobres, possam ouvir a mensagem da verdade” (WHITE, 2012f, p. 105). A propósito, os pioneiros da Igreja Adventista do Sétimo Dia viram que:

A organização era indispensável para prover a manutenção do ministério, para levar a obra a novos campos, para proteger dos membros indignos tanto as igrejas como os ministros, para conservação das propriedades da igreja, para a publicação da verdade pela imprensa, e para muitos outros fins (WHITE, 2012e, p. 26).

Embora a organização seja indispensável, é vital para a sobrevivência da mesma, salientar o método divino de revelar seu Filho no homem, para este pregar a Cristo e Sua mensagem. É preciso confiar muito menos em métodos, talentos pessoais e ferramentas tecnológicas, pois tais instrumentalidades, jamais poderão substituir a justificação pela fé que resulta na transformação do caráter e em missão pela fé. Que relevância há se alguém tiver um lindo power point, mas não tiver power?

Estudantes de Teologia dos seminários adventistas podem equivocadamente raciocinar que ao passar no vestibular, vestirem uma roupa apropriada, aprenderem o Hebraico e o Grego, alcançarem boas notas, conseguirem um carro, uma biblioteca, um computador ou tablet e um passador de slides já estarão qualificados para a missão.

Que lastimável engano! O estudo da Teologia é realmente fundamental, e de grande relevância, se em cada passo for mantida a prioridade de examinar o coração, aprofundar o arrependimento, experimentar o impacto da justificação que resulta em santificação e missão pela fé em Cristo. Este deveria ser um ponto inegociável.

Ninguém poderá colaborar devidamente com Deus em Sua missão, se esta missão divina ainda não ocorreu nele. Paulo tornou-se exemplo para todos os pregadores do evangelho. Ele buscava continuamente o impacto da justificação/santificação pela fé e foi transformado em um homem de Deus, e poderoso missionário. White já dizia que “a maior necessidade do mundo é a de homens” (WHITE, 2013g, p. 57), e Deus procura e começa com o homem. É conclusivo que o Senhor também tinha em mente um propósito salvífico e missionário a cumprir, primeiro em Paulo, revelando a Cristo nele, e através dele. Pode-se imaginar a ansiedade do apóstolo Paulo de logo ir para o campo missionário, a fim de pregar o evangelho aos gentios, mas sua prioridade foi buscar harmonia com Deus.

“A pregação do evangelho é o instrumento escolhido por Deus para a salvação das almas. Nosso primeiro trabalho, porém, deve ser pôr o nosso próprio coração em harmonia com Deus, e então estaremos preparados para trabalhar por outros” (WHITE,

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2012, p. 97-98). Há sérias razões para se colocar o Reino de Deus e a comunhão com Deus em primeiro lugar na visão de discipulado da Igreja Adventista do Sétimo Dia.

Se apenas fizermos de conta, vamos cair. A única maneira de permanecer em pé é seguir o conselho do próprio Cristo no sermão do monte: “Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas” (Mt 6:33, NVI). Essa é a razão pela qual a comunhão está em primeiro lugar na visão de discipulado da igreja (KÖHLER, 2017, p. 5).

A figura a seguir, já apresentada na introdução, propõe três experiências interligadas e contínuas: justificação pela fé, santificação pela fé, e missão pela fé.

Figura 1. O Processo do Impacto da Justificação/Santificação pela Fé na Missão

Fonte: Próprio autor.

Este processo do impacto da justificação/santificação pela fé na missão ocorreu realmente em Paulo. Observe que este mesmo processo, através de outras palavras é retratado a seguir na figura 2. O apóstolo Paulo testemunhou aos Gálatas sobre algo feito em benefício dele, que acontecia nele, e que pela fé também ocorria através dele.

Figura 2 – O Processo do Impacto da Justificação/Santificação pela fé na Missão

Fonte: Próprio autor.

A teologia de Paulo inclui justificação pela fé, santificação pela fé e missão pela fé. Conforme Gálatas 2:20, o Cristo por mim indica a justificação pela fé. Já o Cristo em mim refere-se à santificação pela fé, e o Cristo através de mim aponta o estilo de “viver na fé do Filho de Deus” que inclui missão pela fé. Como Paulo experimentava diariamente a justificação pela fé que resulta em santificação pela fé, já não era mais ele que vivia, mas Cristo que vivia nele. E Cristo foi o maior missionário que já existiu. Ele mesmo testemunhou aos coríntios:

Mas pela graça de Deus sou o que sou; e a sua graça para comigo não foi vã, antes trabalhei muito mais do que todos eles; todavia não eu, mas a graça de Deus que está comigo (1Co 15:10).

Justificação pela fé

(Cristo por mim)

Santificação pela fé

Missão pela fé

Cristo por mim

(Cristo por mim)

Cristo em mim

Cristo através de mim

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Com Cristo vivendo nele, Paulo envolveu-se na tarefa de pregar a justificação/santificação pela fé que resultou no estilo de missão “pela fé no Filho de Deus”, pois “o Espírito nos ensina a revelar a justiça em nossa vida. Aqueles que estiverem dispostos a fazer isso podem dizer: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim” (NICHOL, 2014a, p. 1937).

Como mencionado, Deus é o fundador tanto do evangelho como da missão desde a eternidade (Ap 14:6-12). Em virtude de Ele ser o Senhor de ambos, toda autoridade pertence somente a Ele (Mt 28:18-20). Nesse sentido, Paulo pode plantar e Apólo regar, mas somente Deus mantém o crescimento e a direção da missão, porque na linha do tempo a participação do homem é apenas pontilear e eventual, enquanto a atuação do Senhor na liderança de Sua missão é linear e contínua (1Co 3:6). Os homens são instrumentos, enquanto a missão é um processo de contínua dependência de Deus que só pode ser realizada pela fé nEle (Rm 9:28; Hc 2:3,4; 3:2). Ainda se poderia ilustrar a missão de Deus conforme o quadro seguinte:

Figura 3 – O Processo da Missão pela fé

Fonte: Próprio autor.

A missão realmente não era a “missão de Paulo”, mas a missão do Filho de Deus por ele, nele, e através dele. Conforme Gálatas 2:20, a “missão por Paulo” refere-se ao Cristo por mim, Sua morte na cruz e a justificação pela fé. Já a “missão em Paulo” indica o Cristo em mim ou santificação pela fé. Por sua vez, a “missão através de Paulo” é o Cristo através de mim que incluiu a participação de Paulo no que chamamos “missão pela fé” (1Co 15:10), algo que só poderia ser realizado pela fé em Jesus Cristo, através do poder do Espírito Santo. Isto pode ocorrer em cada filho de Deus, mas “requer completa e sincera conversão no começo, e a repetição dessa conversão cada dia” (NICHOL. 2014b, p. 1.113). A missão de Deus através de mim é extensão da mesma missão de Deus por mim e em mim (1Co 15:10). De fato, quando estas experiências forem algo presente e contínuo, então o Cristo em mim e através de mim será uma realidade visível e incandescente (Gl 1:11-17, 22-24). Parece impossível, a alguém diariamente justificado, e santificado pela fé em Cristo, não ser um missionário,

Missão por Paulo

(Cristo por mim)

Missão em Paulo

Missão através de Paulo

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pois, “o primeiro impulso do coração regenerado é levar outros também ao Salvador” (WHITE, 2013f, p. 70).

Por outro lado, seria uma anomalia farisaica alguém atuar como missionário, sem justificação e santificação pela fé em Cristo. Quando se quebra a relação entre o que Cristo fez por mim, faz em mim, e através de mim pode resultar uma contrafação diabólica, um tipo de missão antropocêntrica, pela qual o homem usurpa de Deus a missão de salvá-lo, e também de salvar a outros. A missão genuína é pela fé em Cristo.

Cristo ordenou aos seus discípulos envolverem-se em uma missão mundial: “Ide por todo mundo e pregai o evangelho a toda criatura” (Mc 16:15). “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado”, e acrescentou: “E eis que estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos” (Mt 28:19, 20). “Estou convosco” para que? Para dar-nos justificação, santificação e usar-nos na missão. Isto é missão pela fé. Você crê e vive isto?

Se há alguém que cumpriu fielmente este mandato foi Paulo. Ele decidiu pregar a “Jesus Cristo e este crucificado” (1Co 2:2), ensinando “antes de tudo que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1Co 15:3). Constrangido pelo amor de Cristo (2Co 5:14), Paulo pregou o evangelho em Damasco (At 9:20-22); em Jerusalém (9:26-30); em Antioquia (11:25-26); em Salamina (At 13:13:4); em Antioquia da Pisídia (13:14); em Icônio (14:1); em Listra e Derbe (14:6-7); em Perge (14:25); em Filipos (16:12-140); em Tessalônica (17:1-9); em Bereia (17:10-12); em Atenas (17:16-34); em Corinto (18:1-11); em Éfeso (19:1-9), em Trôade (20:5-12), e em Roma (At 28:16-31). Provavelmente este apóstolo pregou o evangelho em muitas outras cidades e regiões. Entretanto, Paulo não apenas pregava, ele intencionalmente fazia discípulos.

Em Corinto ele “permaneceu um ano e seis meses ensinando a palavra de Deus (At 18:11). Já em Éfeso, Paulo “com grande poder, convencia publicamente os judeus, provando, por meio das Escrituras, que o Cristo é Jesus” (18:28). Sabiamente, o apóstolo “separou os discípulos, passando a discorrer diariamente na escola de Tirano” (19:10). Naquela cidade Paulo passou dois anos “dando ensejo a que todos os habitantes da Ásia ouvissem a palavra do Senhor, tanto judeus como gregos” (19:10). Por outro lado, Paulo planejava pregar também o evangelho na Espanha, depois de sua passagem por Roma (Rm 15:23), por que ele se sentia devedor as pessoas de todos os lugares.

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“Pois sou devedor tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes, por isso, quanto está em mim estou pronto a anunciar o evangelho também a vós outros, em Roma” (Rm 1:14-15). Mas, afinal, o que ganhou tantas pessoas no poderoso ministério de Paulo? Porventura foi a sua presença pessoal ou um extraordinário dom da palavra? Ora, alguns coríntios consideraram a sua presença pessoal fraca, e a palavra, desprezível (2Co 10:10). Não se deveria minimizar os dons e capacidades intelectuais de Paulo. Contudo, o que ganhou tantas pessoas no prolífico ministério deste homem de Deus foi a influência de sua união com Cristo manifestada no fruto do Espírito Santo tão visível em seu semblante (Gl 5:22, 23).

A paz celestial que o semblante de Paulo irradiava ganhou muitas almas para o evangelho. Paulo levava consigo a atmosfera do Céu. Todos os que com ele se associavam sentiam a influência de sua união com Cristo. O fato de que sua própria vida exemplificava a verdade que pregava, dava a sua pregação um convincente poder (WHITE, 2013c, p. 511).

Este é um padrão bíblico para cumprir a grande comissão de pregar o evangelho e fazer discípulos. Como ocorreu em Paulo, igualmente aconteceu com os discípulos na Galácia, e deveria também se realizar atualmente com os Adventistas do Sétimo Dia.

Na vida deles foram revelados os frutos do Espírito - "amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio". Gál. 5:22 e 23. O nome de Deus fora glorificado e muitos foram acrescentados ao número dos crentes em toda aquela região (WHITE, 2013c, p. 388).

O resultado integrado da justificação em santificação e missão é obra do Espírito Santo. Além de conceder o novo nascimento (Jo 3:3, 5), Ele promove santas virtudes passivas e ativas (WHITE, 2012b, p. 479), dá capacitação, fervor e poder para o cumprimento da missão (At 1:8). A promessa divina é também para o tempo presente.

Manhã após manhã, ao se ajoelharem os arautos do evangelho perante o Senhor, renovando-Lhe seus votos de consagração, Ele lhes concederá a presença de Seu Espírito, com Seu poder vivificante e santificador. Ao saírem para seus deveres diários, têm eles a certeza de que a invisível atuação do Espírito Santo os habilita a serem "cooperadores de Deus. 1Cor. 3:9 (WHITE, 2013c, p. 56).

Portanto, a experiência da justificação que resulta em santificação pela fé é como uma mola propulsora da missão de fazer discípulos. A propósito, alguns fazem uma dicotomia entre discípulo e missionário, discipulado e missão, mas ambos são aspectos da obra do mesmo Espírito. Se alguém não nasceu de novo pelo Espírito Santo, não é um verdadeiro discípulo. Se não nasceu de novo, não é um verdadeiro missionário. Não existe discipulado sem missão. Não existe missão sem discipulado. De fato, “discipulado também é apoio no cumprimento da missão” (KÖHLER, 2017, p. 5).

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“O mundo carece de missionários, consagrados missionários no país natal, e não será nos livros do Céu registrado como cristão ninguém que não tenha espírito missionário” (WHITE, 1892a). A evidência da justificação pela fé é um discípulo em que se manifesta o fruto do Espírito (Gl 5:22), um fruto missionário (Jo 15:8, 26-27).

Apesar de escrever uma carta aos Romanos na qual “com grande clareza e poder o apóstolo apresentava a doutrina da justificação pela fé em Cristo” (WHITE, 2013c, p. 373), ele ansiosamente desejava vê-los pessoalmente para pregar-lhes o evangelho. Nesse sentido, parece evidente que o apóstolo Paulo não intencionava fazer uma divisão entre os versos 15 e 16 no capítulo 1 de sua carta aos Romanos, pois no verso 16 o apóstolo justifica o que foi dito no verso 15. “Lá Paulo disse: “Estou tão ansioso para pregar o evangelho também para vocês que estão em Roma”. O versículo 16 acrescenta a razão: porque “eu não me envergonho do Evangelho" (PANNING, 1999, 19).

Este herói estava disposto a enfrentar tudo pela causa do evangelho. A uma igreja contestadora, o apóstolo defendeu sua autoridade apostólica o que vale a pena lembrar: “Pela graça de Deus, sou o que sou; e a sua graça, que me foi concedida, não se tornou vã; antes, trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo (1Co 15:10). A graça de Deus comigo é referência ao Cristo através de mim. O impacto da justificação/santificação pela fé em Paulo levou-o a trabalhar mais que todos os outros apóstolos. Ainda em uma segunda carta o destemido apóstolo revelou-lhes a diversidade de perigos que pela graça de Deus ele enfrentou nos campos missionários.

Eu ainda mais: em trabalhos, muito mais; muito mais em prisões; em açoites, sem medida; em perigos de morte, muitas vezes. Cinco vezes recebi dos judeus uma quarentena de açoites menos um; fui três vezes fustigado com varas; uma vez, apedrejado; em naufrágio, três vezes; uma noite e um dia passei na voragem do mar; em jornadas, muitas vezes; em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos entre patrícios, em perigos entre gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre falsos irmãos; em trabalhos e fadigas, em vigílias, muitas vezes; em frio e nudez (2Co 11:23-27).

E tudo isso, não desanimava o apóstolo Paulo ao ponto de declarar: “Se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois me é imposta essa obrigação; e ai de mim, se não anunciar o evangelho! (1Co 9:16). A evidência de que Paulo jamais se envergonhou do evangelho é o impacto da justificação/santificação pela fé que resultou nele em transformação de caráter, fruto do Espírito e missão pela fé. Pereyra internalizou o sentimento de Paulo quanto a persistente decisão de pregar o evangelho. ‘Não deixarei de confessar”; “não deixarei de ser testemunha”, “não desistirei”, “afrontarei”, “lutarei”, “combaterei”. “Não escaparei”; “não rechaçarei”, “sobreviverei”. “Resistirei”, “porque o Evangelho é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê” (PEREYRA, 2017).

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Finalmente, Paulo chegou a Roma, não como desejava, mas algemado, na condição de um prisioneiro. Na praça Ápio, ainda distante sessenta e quatro quilômetros da capital do império ocorreu um encontro emocionante com vários discípulos:

Nessa face macerada e batida pela dor, os discípulos veem refletida a imagem de Cristo. Asseguram a Paulo que nunca o esqueceram nem deixaram de amá-lo; que lhe são devedores pela feliz esperança que lhes anima a vida, e dá-lhes paz para com Deus. Na ardência de seu amor o levariam nos ombros todo o caminho até à cidade, fosse-lhes dado esse privilégio (WHITE, 2013c, p. 449).

Embora preso (Ef 6:20; Fp 1:13; Fm 9) foi permitido a Paulo, por quase dois anos morar, em uma casa alugada em Roma, onde passou "pregando o reino de Deus, e ensinando com toda a liberdade as coisas pertencentes ao Senhor Jesus Cristo, sem impedimento algum" (At 28:31). Após o seu segundo encarceramento, já no final de seu ministério, o encanecido apóstolo escreveu a Timóteo:

Quanto a mim, estou sendo já oferecido por libação, e o tempo da minha partida é chegado. Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda (2Tm 4:6-8).

Paulo e seus cooperadores proclamaram a doutrina da justificação pela fé no sacrifício expiatório de Cristo (WHITE, 2013c, p. 207), e “através dos séculos, a grande verdade da justificação pela fé tem permanecido como poderoso farol a guiar os pecadores arrependidos ao caminho da vida” (Ibidem, p. 374). Entretanto, a tarefa da pregação do evangelho permanece inconclusa. Por isso, a seguir serão apresentadas algumas declarações a respeito da relação entre a justificação pela fé, e a tríplice mensagem angélica de Apocalipse capítulo 14.

“Em sentido especial foram os adventistas do sétimo dia postos no mundo como vigias e portadores de luz, pois confiou-se-lhes uma obra da mais solene importância: a proclamação da primeira, segunda e terceira mensagens angélicas (WHITE, 2012b, p. 119). “A mensagem da justiça de Cristo há de soar desde uma até a outra extremidade da Terra, a fim de preparar o caminho ao Senhor. Esta é a glória de Deus com que será encerrada a mensagem do terceiro anjo” (WHITE, 2012d, p. 19). A mensagem da justificação pela fé é “verdadeiramente a mensagem do terceiro anjo" (WHITE, 1890). Atualmente, o povo também deve ser convidado para receber a “justiça de Cristo, que se manifesta na obediência a todos os mandamentos de Deus” (WHITE, 2012e, p. 92). E “à medida que a terceira mensagem se avoluma num alto clamor, grande poder e glória acompanharão sua proclamação. Os semblantes do povo de Deus brilharão com a

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luz do Céu (WHITE, 2013i, p. 17). Sem dúvida, este é um maravilhoso efeito do impacto da justificação/santificação pela fé. Este tema está conectado com o assunto do reavivamento/reforma. O termo grego “reavivar em 2Timóteo 1:6 refere-se ao uso de foles para fazer com que o fogo prestes a apagar-se volte a chamejar” (DUEWEL, 1996, p. 22). Segundo Schuetze, “como cristãos, não podemos descansar seguros no conhecimento das bênçãos recebidas no passado, uma fé que temos por causa da graça de Deus ativa em nossas vidas no passado” (SCHUETZE, 1991, p. 113).

A propósito, em 1887, White descreveu a necessidade da Igreja Adventista do Sétimo Dia. “Um reavivamento da verdadeira piedade entre nós é a maior e a mais urgente de todas as nossas necessidades. Buscá-lo, deve ser nosso primeiro trabalho” (WHITE, 1887). Alguns anos depois, em 1892, ela descrevia a razão do Espírito Santo não operar na vida de alguns que deixaram de ganhar almas para Cristo.

Eles não abriram o coração para receber a graça de Cristo; desconhecem a operação do Espírito; são como a farinha sem lêvedo; pois não há um princípio a atuar em todo o seu labor, e deixam de ganhar almas para Cristo. Não se apoderam da justiça de Cristo; esta é uma veste não usada por eles, uma desconhecida plenitude, uma fonte intacta (WHITE, 1892b, grifo nosso).

Em 1902 White volta a insistir no apelo que fez quinze anos antes em 1887.

Precisa haver um reavivamento e uma reforma, sob a ministração do Espírito Santo. Reavivamento e reforma são duas coisas diferentes. Reavivamento significa renovação da vida espiritual, um avivamento das faculdades da mente e do coração, uma ressurreição da morte espiritual. Reforma significa uma reorganização, uma mudança nas ideias e teorias, hábitos e práticas (WHITE, 1902).

Portanto, não basta uma experiência “evangélica” de justificação separada da santificação, que não resulte em transformação diária do caráter nem fervoroso envolvimento na missão. A “maior e a mais urgente de todas as necessidades” é um reavivamento da experiência da justificação pela fé, que resulte em santificação pela fé, e em poderosa missão pela fé. Enquanto Paulo é um exemplo positivo do impacto da justificação/santificação pela fé que resulta na missão pela fé, por outro lado, a condição de vários membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia no ano de 1892 constitui-se um exemplo negativo pela falta desta experiência.

CONCLUSÃO

Este artigo foi um estudo do impacto da justificação/santificação pela fé na missão. A figura disponibilizada na introdução apresentou o processo através de três experiências interligadas e contínuas: justificação pela fé, santificação pela fé e missão

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pela fé. O Cristo por mim, o Cristo em mim, e o Cristo através de mim. Paulo tornou-se um exemplo para todos cristãos, pois nele realmente o impacto da justificação pela fé resultou em santificação pela fé e missão pela fé.

Notadamente o apóstolo não dispunha de vantagens e recursos tecnológicos à disposição dos pregadores da atualidade. Entretanto, se ele aqui estivesse, provavelmente diria: “Sede meus imitadores como eu sou de Cristo” (1Co 11:1).

Conclui-se que o mesmo Deus que aprouve revelar seu Filho em Paulo, e através dele, enviando-o aos gentios, também deseja revelar Cristo em nós, e realizar grande obra através de nós, acompanhando-nos a um campo de trabalho. Portanto:

Foquemos como prioridade o método de Deus primeiro revelar seu Filho em nós, para realizar grandes coisas através de nós;

Imitemos o apóstolo Paulo, que permitiu a Deus revelar seu Filho nele, para que O revelasse por meio dele;

Confiemos muito menos em nossos dons, talentos, ferramentas e recursos secundários para realizar a missão, mas nos humilhemos diante de Deus buscando uma renovada experiência de justificação e santificação pela fé que, resulte em vida transformada, e missão pela fé.

Preguemos com grande poder a unidade destas três experiências no contexto da tríplice mensagem angélica de Apocalipse 14:6-12, e da iminência da gloriosa segunda vinda de Cristo a esta terra.

Apresentemos o impacto da justificação/santificação pela fé na missão, unido ao tema do impacto do reavivamento e reforma, na missão.

Renovemos e reafirmemos nosso compromisso com a pregação do evangelho eterno da justificação pela fé, que resulta em santificação e missão pela fé, “pois o evangelho é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê”, e porque em sua proclamação, a justiça de Deus está sendo revelada, em conformidade com a declaração da Escritura, “como está escrito: mas o justo pela fé viverá” (Rm 1:16-17). A Deus seja a glória!

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BIBLIOGRAFIA

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sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Sutilezas do dispensacionalismo

 Mais  um excelente artigo do meu amigo, Dr. Wilson Borba. 

O Professor, e Pastor, Dr. Wilson Borba, é escritar e colunista do site do site da D S A, Divisão Sul Americana,  Instituição que dirige Igreja Adventista do Sétimo Dia em toda a América do sul. O Dr. Borba se propôs a ser colaborador desse Blog. Temas Espirituais, e passou a me enviar as matéria escritas por ele, e já publicadas antes. Conforme ele me as envia eu as publico, sem alterar nada,  nem mesmo o link da publicação anterior

leiam. vale a pena. 


Sutilezas do dispensacionalismo

A Bíblia precisa ser estudada com profundidade para que não seja interpretada erroneamente


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A Bíblia precisa ser estudada com profundidade para que não seja interpretada erroneamente (Foto: Shutterstock)

O dispensacionalismo ‘evangélico’ é um sistema interpretativo futurista de DNA herdado da contrarreforma.[1] De modo sutil e imaginativo, apresenta argumentações aparentemente ortodoxas, cujo efeito complica, e obstrui, importantes ensinos da Bíblia.[2] O objetivo deste artigo é analisar três ataques do dispensacionalismo às Escrituras Sagradas.

1.A inerrância das Escrituras. Uma barricada improvisada pelo fundamentalismo evangélico[3], na qual dispensacionalistas[4] se entrincheiraram, é a teoria da inerrância bíblica[5], utilizada em reação ao liberalismo teológico da alta crítica alemã, e a “desmitologização” das Escrituras.[6] Inerrantistas dizem que “toda a Bíblia é, como Deus, sem qualquer defeito”[7], e “mantida inerrante”[8] em cada detalhe. Ninguém foi autorizado a buscar erros e crer seletivamente na Bíblia, pois “toda a Escritura é inspirada por Deus” (2 Timóteo 3:16). Por outro lado, é inexatidão negar a possibilidade de erros periféricos da parte de copistas e tradutores, os quais não devem nos perturbar, pois apesar deles, seguramente Deus manteve a integridade de sua Palavra inspirada.[9] Ela é a “revelação infalível, suprema e repleta de autoridade de Sua vontade”[10], toda suficiente para nos tornar “sábios para a salvação em Cristo Jesus” (verso 15).

Lamentavelmente, de um lado, liberais hiperhumanizam as Escrituras, extinguindo sua dimensão sobrenatural e divina. Em outro extremo, dispensacionalistas, confundindo autoridade com inerrância, tornam insignificante a dimensão humana da Bíblia.[11] Enquanto o primeiro grupo semeia incredulidade, dispensacionalistas negam ao povo a simplicidade das Escrituras, passo preparatório para acalentá-lo com novelas ficcionais e interpretações bizarras.[12] Segundo Rodor, “qualquer esforço para remover os traços da dimensão humana nas Escrituras resultará somente em “rebaixamento” da visão de inspiração”.[13] Este consequente “rebaixamento” pode ser uma causa do analfabetismo bíblico, e este, por sua vez, um propagador do dispensacionalismo.

2.O divisionismo das Escrituras. Para LaRondelle, a essência do dispensacionalismo “consiste em causar “divisão” nas Escrituras”[14]. Por exemplo, a divisão da Bíblia em dispensações.[15] B. W. Newton chamou-a de “o suprassumo do contrassenso especulativo”.[16] O objetivo acobertado é antagonizar a lei e a graça, ensinando salvação pela lei no Antigo Testamento (AT), e pela graça no Novo Testamento (NT), embora calvinistas insistissem na “primazia da graça em todas as épocas”.[17] A salvação é dom gratuito, recebido pela fé nos méritos todo suficientes de Jesus Cristo (Atos 4:12), o Cordeiro morto desde a fundação do mundo (Apocalipse 13:8). Há apenas um evangelho desde a eternidade (Gálatas 1:6-9; Apocalipse 14:6). A eterna Lei de Deus (Salmo 119:142) não salva, mas revela o pecado (Romanos 7:7; 1 João 3:4), e nos guia a Jesus Cristo para sermos justificados pela fé (Gálatas 3:24). Por detrás do falso antagonismo entre lei e graça está, na verdade, a antiga rebelião contra os mandamentos de Deus (Apocalipse 12:17).

Com ímpeto divisionista, dispensacionalistas ‘arrebatam’ a última semana de anos da profecia das 70 semanas de Daniel 9, levando-a mais de 2000 anos depois. Neste ataque, quebra-se a linha de tempo histórica contínua da profecia, eliminando seu clímax cristológico e messiânico. Outra marca do dispensacionalismo é separar "o Judeu, o Gentio e a Igreja de Deus".[18] O evangelho não divide o povo de Deus, mas o reúne. Caifás profetizou a respeito da reunião de todos os filhos de Deus, judeus e gentios, em um só corpo. “Ora, ele não disse isto de si mesmo; mas, sendo sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus estava para morrer pela nação e não somente pela nação, mas também para reunir em um só corpo os filhos de Deus, que andam dispersos” (João 11:52).[19] A igreja é o corpo de Cristo (Efésios 5:29, 30), porque Ele não faz acepção de pessoas (Atos 11:10-34), e por elas morreu.

No afã de dividir a Palavra de Deus, dispensacionalistas declaram que a maior parte do Apocalipse não é para a Igreja, e sim para os judeus.[20] A Bíblia não faz esta divisão. Em reação a esta e outras distorções, o fundamentalista George Ladd escreveu o capítulo “Dividindo a palavra com acerto”.[21] Separar crentes judeus dos crentes gentios é negar que “Há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos” (Efésios 4:4, 5).

Os heróis da fé de Hebreus 11 representam inumerável multidão de judeus e gentios de todas as épocas salvos pela fé em Jesus Cristo. Juntos entrarão pelas portas da cidade santa, graças ao sangue do Cordeiro (Apocalipse 21:3, 9; 22:3, 4). “Dessarte, não pode haver judeu, nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão e herdeiros segundo a promessa” (Gálatas 3:28-29).

3.O literalismo das Escrituras. Na vereda do futurismo e divisionismo, dispensacionalistas insistem no grave erro do literalismo extremado para interpretar profecias do Antigo e do Novo Testamento.[22] Por exemplo, Israel deve significar os judeus, e nunca a Igreja.[23] Eles ignoram que o Novo Testamento é a interpretação cristológica do Antigo Testamento.[24] O Israel de Deus profético (Gálatas 6:16) não é simplesmente uma nação política, mas o resultado do novo nascimento (Gênesis 32:27, 28; João 3:3, 5). As doze tribos de Israel mencionadas no Apocalipse representam este Israel de Deus, composto de pessoas resgatadas pelo sangue de Cristo em todas as nações, inclusive em Israel (Apocalipse 7:4, 9; 14:1-5, 6, 12). Dispensacionalistas consideram o pacto que Deus realizou com Abraão, um pacto incondicional com o Israel nacional, porém, os seguintes textos demonstram a condicionalidade das profecias em relação a Israel (Daniel 9:24; Êxodo 19:3-6; Deuteronômio 7:12-16; 8:19-20).

Cinco coisas para não esquecer: (1) O Antigo Testamento é focado em Cristo, e não em Israel (Lucas 24:27, 44-45).[25] (2) Quando escritores da Bíblia encontram Cristo nas instituições do Antigo Testamento, trata-se de um exemplo claro de interpretação tipológica.[26] Por exemplo, Melquisedeque era um tipo de Cristo, e desde o tempo dos patriarcas, cordeirinhos mortos em cada serviço sacrifical tipificavam o sacrifício de Cristo na cruz (Hebreus 7:1-17; 9:11, 12). (3) “O fato de os Adventistas do Sétimo Dia rejeitarem a crença amplamente defendida de um futuro reino judaico divinamente prometido não justifica a acusação de antissemitismo ou de cegueira ante a realidade política do novo Estado judaico de Israel”.[27] (4)  Deus não rejeitou os judeus (Romanos 11:1, 2), pois Cristo morreu na cruz também por eles(5) Haverá muitos convertidos entre os judeus, e eles farão parte do Israel de Deus.[28] Amigo leitor, após breves, mas suficientes considerações, oro e apelo a você para que também ore e leia as Escrituras sem as lentes sutis e embaçadas do dispensacionalismo.


Referências:

[1]Ver “O Cavalo de Troia da contrarreforma” (clique aqui).

[2]Entende-se por sutileza quando alguém, sem compromisso com a verdade, usa um argumento com a finalidade de complicar e obstruir o outro. “Significado de Sutil”, http://www.significados.com.br/sutil/ (Consultado em 10.02.2018 às 17:54h).

[3]O termo fundamentalismo neste estudo significa quase exclusivamente grupos cuja principal marca era a crença na inerrância da Bíblia. Ray C.  W. Roennfeldt, Clark H. Pinnock on Biblical Authority  (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1993), 55.

[4]Os dispensacionalistas tornaram-se um “segmento dominante do cristianismo evangélico”. Kenneth A. Strand, em Hans K. LaRondelle, O Israel de Deus na Profecia, 1ª ed. (Engenheiro Coelho, SP: Imprensa Universitária Adventista, 2002), prefácio. A seguir: LaRondelle.

[5]John F. Walvoord, Todas as profecias da Bíblia (São Paulo: Editora Vida, 2012), 10, 11. A seguir: Walvoord; C.C. Ryrie, What You Should Know about Inerrancy (Chicago: Moody Press, 1981), 122. A seguir Ryrie.

[6]Desmitologizar, quer dizer eliminar o mito. Rudolf Karl Bultmann, Neues testament und mythologie. Das problem der entmythologisierung der neutestamentlichen verkündigung, 1941.

[7]Ryrie, 41.

[8]“Questions Concernente Inspiration”, The Inspired Word: A Series of Papers (London, 1888), 17, 23; citado em George M. Marsden, Fundamentalism and American Culture (New York: Oxford University Press, 1980), 56. A seguir: Marsden.

[9]Ver: Ellen G. White, Mensagens escolhidas (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1985), 1:16.

[10]Manual da Igreja, 22ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2016), 166.

[11]Marsden, 62.

[12]Tim LaHaye e Jerry B. Jenkins, Deixados para trás: uma ficção dos últimos dias (São Paulo: Editora Hagnos, 2010).

[13]Amin A. Rodor, Revista Kerigma, Vol. 1, nº 1, (1º semestre de 2005), 11.

[14]LaRondelle, 13.

[15]Marsden, 59.

[16]Citado em: George Eldon Ladd, Esperança abençoada, 1ª ed. (São Paulo: Shedd Publicações, 2016), 157. A seguir: Ladd.

[17]Marsden, 60.

[18]Ibíd., 59.

[19]“João estendeu a “profecia” de Caifás sobre o sentido da morte de Jesus, fazendo-a incluir os gentios”. Bíblia de Estudos Andrews (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), 1387.

[20]Walvoord, 473.

[21]Ladd, 157-165.

[22]LaRondelle, 14.

[23]Ryrie, 60.

[24]LaRondelle, 21-25.

[25]Ibíd., 88-90.

[26]Bernard Ramm, Protestant Biblical Interpretation (Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1970), 223.

[27]Questões de doutrina, 1ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2009), 187.

[28]Ellen G. White, Evangelismo, 3ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012), 577, 578.

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