Os judeus e o descobrimento do Brasil
POR Nachman Falbel
Para
compreendermos a situação, o caráter do judaísmo brasileiro e sua
diversidade, devemos nos reportar ao seu passado mais longínquo, uma vez
que os judeus estiveram presentes no território efetivamente desde sua
descoberta.
O
papel exercido pelos judeus na expansão e nas descobertas marítimas de
Portugal é bastante conhecido, sendo que uma múltipla bibliografia
encontra-se à disposição dos interessados no tema. A grande mudança
deu-se no tempo de D. Henrique, cognominado o Navegador, quando este
monarca, interessado pelas ciências cosmográficas, resolveu reunir em
Sagres peritos e sábios que associassem seus conhecimentos à arte da
navegação. Entre eles, destacava-se um mestre, Jacome, maiorquino,
conhecido como “el judio de las brujulas” e sobre o qual pouco sabemos.
O
desenvolvimento do astrolábio, o aperfeiçoamento da bússola, das cartas
marítimas e dos instrumentos náuticos foi um primeiro passo, ao qual se
seguiu a criação da Junta dos Matemáticos, no tempo de D. João II, que
incluía os nomes de José Vizinho e mestre Rodrigo, ambos físicos da Real
Câmara, o alemão Martim Behaim e o cartógrafo Moisés. Vários destes
sábios eram judeus, que se empenharam em descobrir um novo cálculo para
as latitudes, pois os navegantes que naquela época se guiavam pela
estrela Polar, somente podiam fazê-lo até a linha do Equador, pois após
transposta esta última, a estrela perdia-se de vista e mergulhava no
horizonte. Ao simplificar o astrolábio planisférico, eles produziram o
astrolábio náutico e logo mais teriam as tabelas do Almanach Perpetuum
que possibilitavam o cálculo das latitudes pela declinação solar, que
por sua vez permitia uma orientação também para os navegantes que se
dirigiam ao hemisfério sul.
O
aperfeiçoamento dos instrumentos náuticos e o preparo de navegantes
como Bartolomeu Dias, Duarte Pacheco e outros capitães, que integravam a
frota de Pedro Alvares Cabral, permitiu a descoberta deliberada e não
fortuita, de acordo com os historiadores, da terra brasileira. O fato
dos judeus desempenharem um papel ativo na ciência náutica ibérica, como
cartógrafos, astrônomos, ou então intérpretes, conselheiros e
financistas no período no qual efetivamente se dá a formação do império
português, ou seja, no século XV, permite compreender também a sua
presença, agora como cristãos-novos, no Brasil. O decreto de expulsão e a
conversão forçada de 1496-7 dispersaram os judeus de Portugal,
levando-os para além da península ibérica, a outros reinos, acompanhando
o movimento de colonização e intercâmbio marítimo que se deu com a
descoberta das novas rotas para a Ásia e a instalação de entrepostos na
África.
A
instalação oficial do Santo Ofício em Portugal, em 1536, estimulou a
saída dos conversos e seus familiares para outros lugares, mais seguros,
longe dos olhos da Inquisição, como o recém-descoberto Brasil. A
necessidade urgente do elemento colonizador favorecia certa tolerância
para com aqueles que pretendiam continuar na fé judaica, conquanto esta
não fosse manifestamente visível. O primeiro cristão-novo veio com a
frota do descobrimento, em 1500. Era o notável intérprete Gaspar da
Gama, que recebera o batismo daquele que lhe dera o nome, Vasco da Gama,
o famoso navegador das Índias.
Desse
modo, podemos dizer que judeus, ou melhor, cristão-novos, e entre eles
judaizantes, encontram-se entre as primeiras levas de colonizadores no
Brasil. Logo após a descoberta, o comércio é arrendado a um grupo de
mercadores interessados no pau-brasil, utilizado na tinturaria, e outros
produtos da terra. Este grupo, liderado por Fernando de Noronha, ou
Loronha, tende a ser indicado pelos historiadores como composto em parte
por cristãos-novos, sem que se possa ter provas maiores de tal origem, a
não ser por documentos, como a carta de Piero Rondinelli, escrita em
Sevilha em 3 de outubro de 1502, e a Relação de Lunardo da Chá Masser,
de 1506, no qual o autor transcreve o nome “Firnando dalla Rogna,
cristian novo”.
A
divisão do Brasil em capitanias hereditárias, doadas aos ilustres
fidalgos e capitães portugueses, permitiu uma colonização mais
sistemática da terra que recebia, entre outros, também os
cristãos-novos. Estes últimos passaram a ser um elemento importante na
economia açucareira introduzida no território brasileiro na região do
nordeste do país, provavelmente pelas ilhas de S. Tomé ou da Madeira.
A
introdução da Inquisição em Portugal em 1536 provocou a saída dos
cristãos-novos daquele reino também em direção ao Brasil,
geograficamente muito distante e, junto a degredados comuns, eles passam
a ser exilados no imenso território que demandava gente para assegurar
ao império colonial português, então em formação, a posse da colônia. Em
vista da necessidade de povoamento do Brasil como uma política
obrigatória para garantir o domínio do reino português em sua colônia,
há boas razões para crer que o Santo Ofício teria que fazer vista grossa
ao que aqui se passava, o que também explica o fato da Visitação
inquisitorial ter chegado somente mais tarde em território brasileiro.
O
rigor persecutório da Inquisição tornou-se maior devido à unificação de
Portugal e Espanha em 1580, sendo que onze anos após, a aparente
frouxidão que caracterizava a vida religiosa no Brasil modificou-se
inteiramente. Em 26 de março de 1591 era nomeado o licenciado Heitor
Furtado de Mendonça como visitador de São Tomé, Cabo Verde, Brasil,
incluindo as capitanias da Bahia, Pernambuco, Itamaracá e Parahiba, e a
administração de S. Vicente e do Rio de Janeiro. Pouco após chegar à
Bahia, em junho de 1591, começou sua atividade inquisitorial publicando
uma carta Monitória e um Têrmo de Graça, no qual davam-se trinta dias
para a população fazer confissões e denunciar outras pessoas. Exigia,
especialmente, a delatação de hábitos sexuais condenados pela Igreja,
exercício de bruxaria, ofensas à instituição eclesiástica, bem como o
culto de outras religiões, ou seja, a luterana ou a judaica, visando
assim aos judaizantes cristãos-novos que já deveriam ser objeto de
queixas das autoridades pela prática do judaísmo em segredo bem antes da
Visitação.
Quais
eram essas práticas? Pelo conteúdo da Carta Monitória redigida em 1536
por Dom Diogo da Silva, por ocasião da instalação da Inquisição em
Portugal, sabemos que se referia a:
1)
observância do sábado, que se revelava pelo descanso, o uso de roupa
limpa ou festiva ou de joias, limpeza da casa na véspera, preparo da
comida para o dia seguinte, acendimento de velas novas na sexta-feira,
deixando-as queimar até o fim da noite, e a realização de qualquer rito
referente ao dia de Sábado;
2)
matança de aves e animais de acordo com o ritual judaico, ou seja,
testar e experimentar o fio da faca na unha, incisão no pescoço dos
animais, sangramento e cobertura do sangue com terra;
3)
não comer carne de certos animais e peixes, toucinho, lebres, coelhos,
aves doentes, enguias, polípodes, congros, raias, qualquer peixe sem
escamas e outros alimentos proibidos aos judeus;
4)
observância dos dias de jejum judaicos, incluindo o mais importante no
mês de setembro, no qual a abstenção é total até que as estrelas surjam
no céu, andar sempre descalço nesse dia, observar o jejum da rainha
Esther, bem como jejuar o dia inteiro todas as segundas e
quintas-feiras;
5)
celebrar os dias de festa judaicos, ou seja, a do pão ázimo, dos
tabernáculos e do shofar, ingestão de pão ázimo e o uso de panelas e
tigelas novas na Páscoa;
6)
recitar preces judaicas, voltar-se para a parede durante a recitação
das preces, baixar e levantar a cabeça durante a prece, de acordo com a
tradição judaica, o uso dos filactérios;
7) recitar os salmos de penitência omitindo o Gloria Patri, et Filio, et Spiritu Sancto;
8)
tratar e sepultar cadáveres guardando luto segundo o costume judaico,
comer em mesas baixas durante o luto, banhar e vestir defuntos com roupa
de linho, vestindo-os com camisolas e cobrindo-os com mortalhas
dobradas à guisa de capas, enterrar o falecido em solo virgem e em
sepultura bem funda, cantar a litania de acordo com a tradição judaica
como parte do ritual de luto, colocar uma pérola ou uma moeda de prata
ou ouro na boca do defunto destinados ao pagamento de sua primeira
pousada, cortar as unhas do defunto, esvaziar moringas, potes de barro e
demais vasilhas de água, após a morte de uma pessoa como expressão da
crença de que a alma do defunto viria ali se banhar, ou que o anjo da
morte ali estivesse lavando a espada com que a golpeara;
9)
colocar ferro, pão ou vinho em jarros ou cântaros na véspera de S.João e
na noite de Natal, simbolizando a crença de que, nessas ocasiões, a
água se transformava em vinho;
10)
dar a bênção às crianças de acordo com a tradição judaica, impondo as
mãos sobre suas cabeças, passando-as sobre suas faces sem entretanto,
fazer o sinal da cruz;
11) circuncidar os meninos e atribuir-lhes, em segredo, nomes judaicos;
12) raspar o óleo e o crisma após o batismo das crianças.
Além
dessas referências, a Carta Monitória exigia que fosse denunciada
qualquer pessoa, judeu ou mouro, que tentasse converter cristãos velhos
ou novos ao islamismo ou judaísmo, assim como aqueles que possuíam
bíblias em vernáculo, as quais deveriam ser entregues ao visitador para
exame.
O texto é de autoria do Professor Nachman Falbel e é um excerto do cap. 26 do vol. 2 de UMA HISTÓRIA DO POVO JUDEU. Você encontra o livro AQUI
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A
história do Brasil está cheia de celebres personagens que poucos sabem
serem judeus. Em se tratando do tempo do Brasil colonial,
muitos heróis tidos como brasileiros ou portugueses eram, de fato,
judeus. A maioria "convertidos" na marra pela Inquisição Portuguesa.
Vamos
publicar neste Genizah alguns artigos nesta direção, de variados
autores. Quem quiser conhecer mais sobre estes assuntos, recomendo dois
grupos de bibliografias de excelente qualidade:
1) Sobre a história do povo judeu (incluindo a sua saga nas Américas): CLIQUE AQUI
2) Os efeitos da Inquisição Portuguesa e a perseguição dos judeus para a nossa história: CLIQUE AQUI
Fonte - Genizah -- http://www.genizahvirtual.com
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