Qual a serventia do culto cristao?
Marcelo Lemos
“A palavra de Cristo habite em vós abundantemente, em toda a sabedoria, ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros, com salmos, hinos e cânticos espirituais; cantando ao Senhor com graça em vosso coração” (Colossenses 3.16).
Estou lendo um livro bem interessante, Worship Whithot Dumbing-Down, de Peter Toon, cujo subtítulo poderia ser traduzido como “Conhecendo Deus através da Liturgia”. Uma obra deliciosa, bem escrita, e com um grande embasamento teológico. Estritamente falando é um livro voltado para os cristãos anglicanos dos Estados Unidos. Trata-se de uma critica bem embasada a respeito dos desmandos litúrgicos da hoje chamada The Episcopal Churc (TEC), marcada em anos recentes pelo liberalismo teológico, anglo-catolicismo e uma nova ética “cristã” sobre a sexualidade humana (no que, infelizmente, tem sido seguida bem de perto pela mais tradicional denominação anglicana brasileira). No entanto, o coração das reflexões do livro pode ser aplicado não apenas a nós, anglicanos, como a todos os cristãos comprometidos com um culto centralizado em Cristo.
Falta Cristo em
nossos cultos. Acredito que uma parte dos meus leitores, seja qual for a
agremiação cristã, concordará com essa afirmação. ‘Conhecendo Deus
através da liturgia’ é uma sinopse que raramente pode ser aplicada aos
nossos serviços dominicais de adoração. Daí o livro de Peter Toon
conseguir me encantar. Apesar de ele falar sobre uma realidade
denominacional bem definida, sua mensagem parece ter sido escrita para a
Igreja Brasileira. Logo no primeiro capítulo ele diz que a nova
geração de crentes não pode saber (avaliar) que há um “declínio” na
adoração cristã, pois nunca chegou a conhecer algo melhor. Em outras
palavras, eles entendem que tudo está bem, não diferenciam entre o “bom”
e o “ruim”, pois o “bom” nunca lhes foi realmente apresentado.
Não se aplica
isso a nossa realidade? Por acaso um adorador “extravagante” aceita a
acusação de não existir Cristo em sua adoração? Aceitam os místicos com
suas garrafas de água consagrada sob o braço, que sua religiosidade é
paganismo travestido de fé cristã? Pelo que temos visto a resposta é um
sonoro “não”. De fato, eles acham que tudo está bem, são incapazes de
identificar o erro por nunca terem tido contado com algo melhor.
Não estou
dizendo que algo melhor não exista hoje. Existe. No entanto, a maior
parte dos cristãos atuais não o conhece, seja por terem sido cristãos
meramente professos, seja por já terem ingressado na Igreja pela porta
dos modismos teológicos e litúrgicos. Para eles tudo é normal, e se
sabem algo sobre o que é mais elevado, tomaram o “mal por bem” e o “bem
por mal”; isso tamanha sua incapacidade de fazer tal julgamento. E, o
pior, onde ainda vemos um culto cristocêntrico e bíblico, a invasão dos
modismos é tão violenta, que provavelmente a próxima geração conhecerá
menos ainda o assunto que estamos discutindo nesse texto...
“Pode-se dizer
que eles estão envolvidos no que podemos chamar de atividades de lazer
religioso. Eles não vêm primeiramente para alargar seus horizontes, para
cultivar uma mentalidade espiritual e celestial, para ser contestados
pela Palavra do Deus vivo, para ponderar sobre a natureza e os atributos
de Deus, para ver a profundidade e magnitude de seus pecados e a
surpreendente e abundante misericórdia Deus, em Cristo Jesus para eles,
ou para serem chamados a uma vida cotidiana consagrada, no temor e no
amor do Senhor. Ao contrário, estão ali para satisfazer algum tipo de
curiosidade espiritual ou moral... Estão ali para se auto afirmarem,
para serem aceitos, para sentirem e descobrirem a autoestima, e
aceitarem que são filhos de Deus!” (Peter Toon, adaptado do texto inglês).
O novo culto
não se parece muito com o antigo? A mensagem não está muito bem
camuflada? Tão perfeito é o disfarce que muitos não se dão conta do
perigo. Faz-nos pensar na melhor forma de cozinhar um sapo vivo:
aquecendo a frigideira lentamente, até cozinha-lo por completo. “Não
sabeis que um pouco de fermento faz levedar toda a massa?” (I Coríntios 5.6).
Se fatiarmos o
pensamento de Tonn iremos descobrir o que, na opinião dele, deve ser o
culto cristão, no qual, por meio da liturgia, podemos ter um encontro
com Cristo.
1) O culto cristão deve “alargar horizontes”.
Em outras palavras o culto cristão dever visar sempre a edificação do
corpo de Cristo, com aprendizado intelectual e espiritual. Na verdade
não sei se podemos separar essas duas coisas. A cada culto devemos
aprender mais sobre Cristo, o Pecado, a Redenção, e assim por diante.
Têm nossos pastores a mesma preocupação de “anunciar todo o conselho de Deus” (Atos 20.27) que havia no coração do apóstolo S. Paulo? Tem no coração das nossas ovelhas a mesma disposição que havia em Beréia (Atos 17.11)?
2) O culto cristão deve cultivar a vida espiritual.
Ou, “cultivar uma mentalidade espiritual e celestial”, nas palavras do
autor. Infelizmente não temos uma noção muito precisa do que é ser
espiritual. Quase sempre imaginamos o homem espiritual como um ser
místico, dotado de poderes extraordinários ou qualquer coisa inatingível
aos demais. Ao contrário, a Bíblia nos apresenta a vida espiritual como
sendo aquela guiada pelo Espírito Santo, ou seja, que produza as
qualidades do Fruto do Espírito Santo. Definindo numa frase, o homem
espiritual é aquele que obedece aos mandamentos do Senhor. Obedecer a
Cristo é o lema central daquele que vive no Espírito.
“Se alguém cuida ser profeta ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamento do Senhor!” (I Coríntios 14.37). “Por
esta razão, nós também, desde o dia em que o ouvimos, não cessamos de
orar por vós e de pedir que sejais cheios do conhecimento da sua
vontade, em toda sabedoria e inteligência espiritual – para que possais andar dignamente diante do Senhor, agradando-lhe em tudo, frutificando em toda boa obra e crescendo no conhecimento de Deus!” (Colossenses 1.9,10). “Vós
também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio
santo, para oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus, por
Jesus Cristo” (I Pedro 2.5).
Estamos sendo
instruídos em nossos serviços de adoração a sermos “casa espiritual” e
“sacerdócio Santo”? Ou, ao contrário, temos nos deixado convencer que
“vida espiritual” é “romper em fé, andar sobre as águas e dar um grito
de júbilo”? O que realmente sabemos sobre o que é se um homem [ou
mulher] espiritual?
3. O culto cristão deve confrontar o homem com a Palavra de Deus. Nas palavras do autor, “contestados pela Palavra”.
Não temos a impressão que em lugar de confronto nos deparamos com
bandeiras brancas em muitos de nossos cultos? Não nos parece que no
lugar de Voz Profética temos ouvido “palavras proféticas”, de profetas
autoproclamados? Onde esconderam a Cruz e sua Mensagem? Onde esconderam o
Cristo e Sua Cruz? Quando dissociaram o Espírito dos seus Frutos? Onde
se declarou guerra entre a Fé e a Razão?
De fato, não
temos a impressão de ser cada vez mais raro encontramos um Púlpito onde
sejamos confrontados com as grandes verdades da Religião Cristã? Como
diz Peter Toon, não estamos ali, no culto, a fim de “ponderar sobre a
natureza e os atributos de Deus, para ver a profundidade e magnitude de
seus pecados e a surpreendente e abundante misericórdia Deus, em Cristo
Jesus, ou para seremos chamados a uma vida cotidiana consagrada, no
temor e no amor do Senhor”. Para que, então? Domingo após Domingo,
nos colocamos sobre bancos a fim de alimentarmos nosso ego com
mensagens que poderiam ser encontradas, a preço bem menor, em qualquer
livro de Paulo Coelho.
Talvez nossa
geração considere o culto do “passado” – prefiro dizer, “de sempre” –
algo maçante e antiquado. Contudo, ele nos livra da maior de todas as
desgraças que já se abateu sobre o Cristianismo: a ausência do
Evangelho.
“Assim diz o
SENHOR: Ponde-vos nos caminhos, e vede, e perguntai pelas veredas
antigas, qual é o bom caminho, e andai por ele; e achareis descanso para
a vossa alma” (Jeremias 6.16).
Marcelo Lemos, do Olhar Reformado para o Genizah.
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