A Ardente Expectativa
“Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória que em nós há de ser revelada. A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus”. Rm 8. 18-19
O filósofo e
teólogo americano Brennan Manning, falecido em 2013, autor do excelente
livro, “Evangelho Maltrapilho”, publicado no Brasil pela Editora Mundo
Cristão (recomendo a leitura!),
passando, certa vez, em frente a um centro de convenções nos Estados
Unidos, viu uma fila de pessoas que aguardavam entrar em suas
dependências para participar da festa que ali seria promovida. Brennan
se admirou da expectativa das e do semblante de alegria e contentamento
que estampavam, afinal é isso que se espera de alguém que é convidado
para uma festa! No entanto, algo intrigou Brennan Manning. Ao constatar a
expectativa daquelas pessoas, lembrou-se que os cristãos também estão
numa fila esperando os portões celestiais se abrirem para participar da
festa das “bodas do Cordeiro” (Ap. 19. 7), contudo, para nossa surpresa,
muitos desses cristãos não estão felizes. Na verdade muitos estão na
fila, porém duvidosos se realmente há um banquete à nossa espera. Muitos
acham que o anfitrião não ficará contente em vê-los. Muitos se
perguntam: “Eu serei bem-vindo?” A ideia de um Deus “ansioso” por nos
receber e uma festa maravilhosa para nos recepcionar parece boa demais
para ser verdade. Nossa forma de viver, às vezes, revela que não há
nenhuma festa preparada nos céus para nós.
O apóstolo Paulo
também nos intriga ao declarar que a criação possui uma “ardente
expectativa” e que ela geme esperando a revelação dos filhos de Deus. Ou
seja, a própria natureza, que se tornou cativa e prejudicada em função
da queda de Adão, “espera” uma arrebatadora libertação na consumação dos
séculos. Ora, se isso é verdade para a parte irracional da criação,
porque nós, cristãos, os principais alvos do amor eterno de Deus e
cônscios de tal sentimento, não possuímos tão intensa expectativa?
Porque vivemos como se nossa existência se resumisse à paisagem que está
adiante de nós e que nos distrai tanto que esquecemos que o melhor, a
glória celeste, ainda está por vir?
“Não dá para
comparar” é o que diz o apóstolo Paulo. O que sinto e vejo neste mundo é
infinitamente inferior ao que experimentarei ao lado do Criador, do
Salvador e do Consolador. Por que nos esquecemos disso tão facilmente?
Por que nossa alegria é de tão curta duração? Por que nossa esperança é
tão instável? Por que ficamos tão irritados com a grama do jardim que
está alta (e/ou coisas desse tipo) se há uma realidade
indescritivelmente superior à qual estamos destinados e que, portanto,
encontraremos? Até mesmo preocupações relevantes como enfermidades
graves, desemprego, violência e etc., não podem ofuscar “a glória que em
nós há de ser revelada”.
Fyodor
Dostoievski, romancista russo do século XIX, compreendeu as palavras de
Paulo ao indagar que deveria haver um lugar de compensações, pois nesta
existência o homem não consegue viver à altura de seus mais nobres
ideais, afinal não praticamos todo bem que almejamos, não amamos
intensamente, não somos tão bons quanto gostaríamos, vivemos aquém do
ideal. A vida não faria sentido se tais aspirações não fossem saciadas
em algum lugar. Este lugar, segundo Dostoievski, é a eternidade.
À sua maneira, o
romancista compreendeu a teologia de Paulo. Sim, há um lugar na
eternidade onde o sofrimento não nos alcançará. Onde nenhuma lágrima
será derramada. Onde as dúvidas não mais nos perturbarão. Onde toda
incerteza será dissipada. Dostoiévski chegou a essa conclusão após
passar por um conflito pessoal. No dia do sepultamento de sua esposa,
Maria (“Masha”), ele começou a pensar que, apesar dos momentos sofríveis
do matrimônio, da incompatibilidade de comportamentos, do ódio que às
vezes “Masha” sentia ao presenciar os ataques de epilepsia que ele
sofria, das constantes brigas e do abandono do lar, houve momentos de
felicidade verdadeira, porém ambos não conseguiram viver à altura do
amor ideal. Dostoiévski considera, portanto, que um dia talvez ele veja
sua esposa de novo em um lugar pleno de satisfação, poesia, encanto,
realização e saciedade. Virtudes que o homem não consegue experimentar
aqui em toda a sua potencialidade. “Somos feitos para algo que é muito
maior que nós”, é a grande conclusão, do extraordinário escritor.
Embora
Dostoiévski não esteja errado em seu raciocínio, todavia, o apóstolo
Paulo foi mais longe, pois para este a eternidade não é apenas um lugar
de compensações, mas sim um lugar cuja “glória não há como comparar” com
nada experimentado neste “tempo presente”. A eternidade com Deus e, ao
lado de Cristo Jesus, é incomparável, “nem olhos viram, nem ouvidos
ouviram, nem jamais penetrou no coração do homem o que Deus preparou
para seus amados” (1 Co 2.9). Esta é ou não é uma boa notícia? Sendo
assim, a única resposta adequada que posso dar a este convite é a minha
indizível alegria, minha firme esperança, meu intenso desejo de estar
com Deus, e de viver para sempre feliz por estar na Sua presença.
Esta deve ser a nossa expectativa, a ardente expectativa! O Senhor merece!
Como você tem se
comportado na fila que está adiante dos umbrais celestiais da
eternidade? Paulo declara: “Para mim tenho por certo...” E você, também
está certo desta maravilhosa realidade? Reflita essa convicção com
alegria e exultação, pois, como já foi dito, é isso que se espera de um
convidado para uma grande festa. Que Deus nos abençoe com graça sobre
graça, com alegria sobre alegria, e com festa sobre festa! Amém!
Soli Deo Gloria!
Idauro Campos é Pastor Congregacional. Mestre em Ciências da Religião e Colunista do Genizah
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