Fonte - http://www.genizahvirtual.com/2014/1
Quando a realidade desmonta o marketing
Marina Silva
Na semana
seguinte a sua reeleição, a presidente Dilma Rousseff _do modo mais
discreto possível_ decidiu ou “autorizou” reajuste de preços, alta de
juros e divulgação de informações que na campanha negava ou condenava. O
cenário do marketing eleitoral começava ser desmontado.
Agora, a
realidade se mostra na exposição de dados oficiais omitidos,
deliberadamente, por representantes do próprio governo durante a
campanha presidencial.
O Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão vinculado à
Presidência da República, adiou o anúncio das estatísticas sobre pobreza
e miséria no país e alegou que tal decisão era para não favorecer
nenhum candidato (na verdade, não queria oferecer constrangimento à
candidatura petista). Na quarta-feira, dia 5, a presidente que, quando
candidata, se vangloriava do país ter saído do Mapa da Fome elaborado
pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura),
recebeu a informação de que o instituto verificou o crescimento do
número de miseráveis em seu governo.
Entre 2012 e
2013, houve um aumento de 3,68% no número de indivíduos considerados
abaixo da linha da pobreza ou indigentes — passaram de 10.081.225 para
10.452.383, ou seja, mais de 371.000 pessoas entraram para o grupo de
miseráveis no período. São brasileiros que têm renda mensal inferior a
R$ 70. É o primeiro aumento desde 2003, quando o indicador passou a cair
ano a ano. Para maiores esclarecimentos, leia o post do blog do
jornalista Matheus Leitão (http://goo.gl/JQCQcN) e veja a reportagem de Cristina Serra no Jornal Nacional (http://goo.gl/tzqXbK).
Analistas e
técnicos dizem que os efeitos nocivos da inflação voltam a fazer vítimas
na camada mais desprotegida da sociedade brasileira. Em sua campanha, a
presidente candidata negou com veemência que o aumento dos preços
colocaria sob risco as conquistas de melhoria de renda dos mais pobres.
A tática de
esconder maus resultados também foi seguida pela Receita Federal que, na
véspera do segundo turno, determinou que as estatísticas sobre a
arrecadação em setembro não poderiam ser expostas ao público antes da
contagem dos votos.
No último dia
29, a expectativa dos especialistas sobre a redução das receitas
tributárias se confirmou. Entraram nos cofres do governo R$ 90,722
bilhões, valor 4,42% inferior ao registrado em agosto. Mais um forte
sinal da retração acentuada da economia brasileira.
Ainda há doses
de realidade guardadas. A sociedade espera a palavra das autoridades
governamentais sobre o desmatamento da Amazônia e o desempenho dos
alunos da rede pública em português e matemática.
Sobre o
patrimônio ambiental, já se sabe que o quadro é preocupante. Em outubro,
o Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), organização
de prestígio científico que monitora o grau de preservação da Amazônia
Legal, divulgou, como de hábito, os dados de seus estudos. Neles consta
que entre agosto e setembro o desmatamento da região cresceu 191% em
relação ao mesmo período de 2013. Foram perdidos 838 quilômetros
quadrados de cobertura vegetal.
O jogo de
esconde das estatísticas que jogam luz na realidade para avaliar a
eficiência do governo em assuntos estratégicos também contou com o
reforço da Casa Civil da Presidência da República. Desde agosto, as
gavetas do Planalto guardam o relatório sobre o desempenho dos alunos da
rede pública em português e matemática no Ideb (exame aplicado a cada
dois anos). Os resultados eram tradicionalmente apresentados até aquele
mês. Por meio de dados secundários, é possível estimar que os estudantes
do ensino médio tiveram notas piores na prova nacional. O governo alega
que trabalha para tornar os dados do exame mais completos.
Será que agora,
sem escapatória diante da realidade, o governo e seus aliados vão
encarar o debate que interditaram e mascararam com um marketing
selvagem, desprovido de qualquer filtro ético, sustentado na mentira e
na boataria, para ganhar a eleição? Essa forças políticas terão de
explicar às brasileiras e aos brasileiros quais as saídas para impedir a
avalanche de retrocessos que se observa na economia e na gestão
pública: fisiologismo, corrupção, baixo investimento, elevação de juros e
da inflação, aumento do desmatamento e, agora, como se não bastasse,
retrocesso até na área em que se diziam imbatíveis, com o aumento da
degradação social.
Alertei nas
duas campanhas presidenciais de que participei: o atraso na política
continua sendo a maior ameaça para que o Brasil perca as conquistas
sociais e econômicas que, a duras penas, alcançou nas últimas duas
décadas.
O atraso
político, infelizmente, permanece e prevalece. Com quem o povo
brasileiro pode contar para reconhecer, debater e superar seus graves
problemas?
De todo modo,
algo já melhora: passadas as eleições, diminui o tempo da propaganda
eleitoral e aumenta a dose de realidade, que, por mais dura que seja, é
melhor do que o mundo colorido do marketing que a subtraiu do debate
eleitoral.
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