Douglas Reis
Fonte - http://questaodeconfianca.blogspot.com.br/2014/07
COMPRE AGORA O SEU ADVENTISMO PASTEURIZADO, ESTÁ EM PROMOÇÃO - parte 1
As
igrejas cristãs são todas, sem exceção, parte da Babilônia mística (Ap 18). Os
pioneiros adventistas esposavam essa convicção controversa. Ao surgir o
movimento adventista sabatistas, os conceitos mileritas serviram como ponto de
partida. E os mileritas criam que a rejeição do anúncio do retorno de Jesus
tornava a cristandade parte de Babilônia (Ap 14:8). Os adventistas sabatistas
mantiveram a ideia, mesmo quando, alguns anos após o desapontamento, a
principal corrente de ex-mileritas projetava o cumprimento dos três anjos (Ap
14) para o passado ou futuro.
Resumo
da ópera: o adventismo já nasceu em um contexto polêmico. Por alguns anos, os
pioneiros creram que o convite da graça se estendia não a todos, porém somente
aos mileritas (a teoria da porta fechada). Por esse motivo, os sabatistas
dirigiam sua pregação aos mileritas somente.
Por
outro lado, isso não significa que ele se isolaram em uma espécie de bolha
teológica. Os adventistas não ignoravam completamente autores e teologias
cristãs; eles faziam teologia em constante diálogo com tais fontes, em muitos
casos, usando uma abordagem polêmica (termo usado quando um corrente cristã
reivindica suas doutrinas reagindo contra uma ou mais correntes). A teologia do
nascente movimento adventista era sólida e solidamente inserida na tradição do
século XIX, ou seja, pertencia a uma bem arraigada tradição protestante.
Os
hinos cantados por eles consistiam em coletâneas de hinos evangélicos
populares, com acréscimos de hinos mileritas, muitos dos quais soariam atualmente
como parte de um culto das igrejas pentecostais. Aliás, houve muito empenho,
especialmente por parte do casal White, para conter manifestações fanáticas nas
primeiras décadas do adventismo. Demoraria até se estabelecer um conceito de
adoração mais ou menos homogêneo, embora persistisse a reminiscência de
manifestações carismáticas (como na década de 1960, 1980 e a partir do meio da
década de 1990). Isso não significou total desprezo por hinos tradicionais
cristãos, quando eles não divergissem da fé adventista.
Porém,
em suas linhas mestras, o clima do adventismo das décadas iniciais pode ser
descrito com a palavra desconstrução: às vezes é preciso destruir as paredes
para reformar uma casa. Logo, doutrinas como a trindade, por exemplo, sofriam
questionamento de autores adventistas, especialmente devido à compreensão
tradicional equivocada do assunto. De fato, os adventistas chegaram a crer na
trindade fazendo um caminho inverso, que os levou aos fundamentos bíblicos, a
partir dos quais atingiram nova compreensão sobre o assunto. Eles não eram
bisonhos como os anti-trinitarianos atuais, os quais alegam não poderem crer na
doutrina por não haver a palavra “trindade” em si nas Escrituras; ignoram que
teologia de fato não leva em conta somente as palavras, mas as ideias contidas.
A chave utilizada pelos adventistas sabatistas para crer ou rejeitar algo, ou
chegar a uma compreensão diferente sobre determinado tema era a investigação
bíblica.
Nem
tudo são flores, porém. O que aconteceu para o adventismo hoje possuir uma
acentuada dessemelhança em relação à perspectiva de seus pioneiros? Certamente,
as mudanças não vieram de uma vez, nem foram causadas por um fator isolado.
Talvez seja mais apropriado apresentar uma série de causas para as mutações dos
genes do adventismo, sem que isso implique chegar a uma conclusão dramática de
que tudo esteja irremediavelmente perdido. Afinal, se Deus suscitou essa obra,
é certo que Ele continua à frente dela.
Alguns
fatores, como a negligencia em áreas teológicas em detrimento do cumprimento da
missão (até hoje não temos uma eclesiologia adventista bem definida, por exemplo),
além da busca por parte de ministros e obreiros por formação teológica em nível
de pós-graduação em seminários evangélicos contribuíram para que se abandonasse
a ênfase em doutrinas distintivas. O processo se tornou mais evidente a partir
da década de 1950. Naquele contexto, o adventismo se esforçava para ser aceito
no seio do evangelicalismo, o que se percebe com o lançamento do livro Question on Doctrines (QD).
Fruto
do diálogo entre representantes do movimento adventista e líderes evangélicos,
o trabalho procurava conciliar as doutrinas adventistas com a tradicional
versão norte-americana do cristianismo. A contribuição positiva de QD foi quebrar
o preconceito em relação ao adventismo, fazendo com que ele perdesse a pecha de
seita, além de esclarecer as doutrinas adventistas em face de equívocos e
distorções. A contribuição negativa se deu com uma significativa mudança de
ênfase nos aspectos distintivos da mensagem adventista, levando quase à
conclusão que ele não pretendia nada de revolucionário ou novo, mas que, no
fundo, era mais uma igreja protestante norte-americana, com uma ou outra
doutrina sui generis.
Nas
décadas seguintes, o adventismo se aproximou ainda mais dos círculos
evangélicos, acarretando a crise sobre justificação pela fé, envolvendo Robert
Brinsmead, Desmond Ford e outros. Finalmente, as implicações desta crise
inicial geraram outra ainda mais severa, quando Ford atacou a doutrina da
purificação do santuário celestial. Claramente, alguns círculos adventistas
desenvolveram tamanha afinidade com o pensamento evangélico que uma revisão
doutrinária parecia iminente. Embora a denominação se fortalecesse com a
publicação de importantes obras reivindicando a posição adventista em assuntos
como santuário celestial e interpretação profética (publicados por uma comissão
especial, cuja sigla em inglês é DARCOM), dissensões e divisão de pensamento se
agravaram entre os adventistas.
Entre
os motivos que acirraram os novos conflitos no seio do adventismo, podemos
mencionar:
• Crescimento
evangelístico desacompanhado de discipulado bíblico: os adventistas
nasceram com uma missão. Organizaram-se em função de sua identidade,
estabelecida a partir de um chamado profético (Ap 14:6-12). Entretanto, ao
assimilar influências evangélicas, o evangelismo adventista foi deixando a
compreensão profética para adotar uma versão popular de existencialismo cristão
(até quando trata das profecias!). Essa pregação existencialista propõe uma
visão reduzida da salvação, excluindo o estilo de vida, fator que sempre marcou
a compreensão adventista. Aliado a isso, a falta de instrução bíblica acometeu
o adventismo. Mesmo a produção de livros e revistas denominais (que na América
do Sul é rigorosamente selecionada e apresenta uma qualidade superior em
relação a outras realidades) passa longe de atingir um povo que não foi instruído
a pensar biblicamente. Resultado: a denominação cresce exponencialmente em
número de membros, todavia possui cada vez menos pessoas comprometidas com a
missão e com os valores do estilo de vida adventista, o qual permanece
questionado e relativizado;
• Falta
de posicionamento claro em questões referentes à identidade adventista: professores
adventistas de teologia com acentuadas tendências liberais continuam lecionando
em seminários adventistas de referência, quer na Europa, quer nos EUA. Eles
gozam de total liberdade, influenciando jovens ministros e, por meio deles,
congregações ao redor do mundo. Livros de tendência progressista são publicados
por editoras adventistas e embora representam apenas a opinião de seus autores,
ganham aura de legitimidade, como se possuíssem um selo de aprovação
denominacional (não à toa, vivencia-se hoje uma crise editorial nas editoras
adventistas da América do Norte). Assim, o adventismo tem se multifacetado, se
dividindo e se tornado lento no cumprimento da missão profética para a qual foi
levantado;
•
A aculturação em face do mundo contemporâneo: o desafio de evangelizar os
centros urbanos, nos quais a esmagadora maioria da população mundial se
concentra, vem levando pensadores e líderes adventistas a adotar métodos que
aproximem o estilo de culto a padrões similares ao da cultura popular
contemporânea. Além disso, a influência da quase onipresente mídia social molda
os padrões de pensamento dos adventistas dentro de uma perspectiva secular, a
qual não é combatida por modelos racionais bíblicos (Rm 12:1-2).
Diante
deste quadro, ainda que brevemente esboçado, pode-se perceber os prementes
desafios com os quais o adventismo se depara. O movimento que nasceu em meados
do século XIX com tantas características peculiares, atravessa seu terceiro
século de existência repleto de embates internos e bastante influenciado pela
cultura ao redor, quer religiosa, quer secular. O que poderia resgatar dentro
do adventismo seus propósitos originais? Obviamente o assunto preocupa líderes
e pensadores do movimento. Cada adventista sério se preocupa com a diluição do
movimento. O que fazer?
A segunda parte será postada amanhã
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