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segunda-feira, 16 de junho de 2014

Sobre hábitos e monges: Desafazendo tabus sobre vestes litúrgicas.

  É sempre saudável ler e conhecer pensamentos e práticas diversas. Não significa que se tenha que concordar com tudo, porém devem estar abertos ao conhecimento diversificado. Aprender de tudo e reter o que é bom, é um dos princípios bíblicos.

Veja essa matéria sobre  vestimentas litúrgicas, muito esclarecedora. Eu mesmo acho desnecessário roupões de batismo, principalmente a batina do pastor, mas por ser uma tradição da igreja, eu a uso

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Sobre hábitos e monges: Desafazendo tabus sobre vestes litúrgicas.

Fonte Genizah 

Pr. Francisco Belvedere Neto
É verdade que o hábito não faz o monge. Pessoas de Deus não são reconhecidas pela sua aparência exterior, mas pelos frutos de sua vida. Mas... Quando iniciei meu ministério pastoral, sendo nomeado pastor acadêmico no ultimo ano de Teologia, lembro-me que uma irmã na igreja onde eu servia, veio me dizer que eu não deveria mais usar camisa clerical, pois aquilo era “roupa de padre” e ela não queria que visitantes viessem à igreja e pensassem que tinha um “padre” no altar. Meus esforços para explicar àquela irmã que a camisa clerical era uma veste de origem protestante e que fazia parte da nossa tradição denominacional, mesmo não sendo de uso obrigatório foi em vão! O preconceito falava mais alto. O curioso, é que na mesma igreja, tinha um irmão que de vez em quando ia ministrar louvor fazendo uso de um kipá! E ninguém, absolutamente ninguém achava ruim. Eu era olhado torto por fazer uso de uma veste identificada com a tradição cristã, e aquele irmão amado que fazia uso de algo identificado com a religião judaica não sofria qualquer censura.
 "padre" Charlito, além de "padre", é co-editor do Genizah.
Há no meio evangélico brasileiro um preconceito fortíssimo contra tudo que possa lembrar a igreja católica romana, em especial, na questão das vestes e outros símbolos litúrgicos. O mesmo não ocorre com vestes, símbolos e objetos ligados ao judaísmo. Isso é fruto da idolatria a Israel que tem sido estimulada nos arraiais gospel tupiniquins. Já ouvi gente dizer que em Israel se sente a presença de Deus de uma forma diferenciada do que ocorre em outros lugares. É muita incoerência e falta de senso critico dos crentes brasileiros.

Nem mesmo no Genizah se está livre desta tolice. A minha motivação para escrever este artigo foi, justamente, em função de um post publicado neste site, com um vídeo onde se via o Rev. Carlos Moreira, pregando na Igreja Episcopal Carismática. Nos comentários, algumas pessoas demostraram nítido preconceito e agressividade ao verem as vestes do ministro, que logo julgaram ser um “padre”. Vamos então a alguns fatos desconhecidos de grande parte dos evangélicos brasileiros.
Um pouco de história
Segunda Igreja Presbiteriana de Chicago
Muita gente pensa que ser protestante significa ser anti-católico. Ou seja, “tudo que o católico faz, eu tenho que fazer diferente!” Mas acontece, que a reforma protestante tinha como alvo a doutrina e não a liturgia da igreja, exceto naquilo que fosse considerado anti-bíblico. Quando Andreas Karlstadt, na ausência de Lutero incentivou a destruição de imagens em Wittenberg, Lutero censurou essa atitude a qual considerou vandalismo contra obras de arte. Ou seja, mesmo Lutero teologicamente destruindo o alicerce do culto às imagens e relíquias, ele não deixou de reconhecer que algo de valor poderia se encontrado ali. Eram obras de arte e embelezavam os templos. Até hoje muitas igreja protestantes na Europa e EUA possuem imagens, vitrais ou ícones retratando pessoas ou passagens bíblicas, mas apenas com função estética.

No século XVII, calvinistas ingleses desejavam purificar a Igreja da Inglaterra de todo resquício de catolicismo romano, assim como, de toda e qualquer prática litúrgica que não fosse claramente ensinada ou ordenada nas Escrituras. Práticas como, por exemplo, o sinal da cruz no batismo e o ajoelhar-se para receber a Ceia do Senhor. Esses calvinistas ficaram conhecidos como puritanos. Um fato marcante desse período, foi a chamada controvérsia das vestimentas. Os puritanos rejeitaram que os ministros fizessem uso de paramentos elaborados, em vez disso deveriam trajar a toga preta, que era a veste dos docentes e magistrados. Assim o pastor em vez de ser identificado com a figura do sacerdote, estaria identificado com a figura de um docente, por este ser o responsável pelo ensino das Escrituras na igreja.
Puritanos
Nos primeiros séculos do protestantismo, com exceção dos partidários da reforma radical ou dos puritanos, nunca houve um movimento para abolir tradições que não fossem consideradas explicitamente anti-bíblicas, mesmo que fossem extra-bíblicas. Com o passar dos anos, em algumas regiões e mais especificamente algumas denominações, permaneceram muitas práticas que se assemelham ou são idênticas às praticas católico-romanas.
Em meados do século XVIII os primeiros missionários protestantes começaram a chegar ao Brasil. Porém pelo fato do Catolicismo Romano ser a religião oficial do império, inúmeras restrições foram impostas aos protestantes. As igrejas, por exemplo, não poderiam ter forma de templo. Esse ambiente hostil aos protestantes, fez nascer um protestantismo fortemente anti-católico e avesso a qualquer tradição ou prática que lembre o catolicismo romano.

Vestes clericais: O que são e quais são?
Não vou enumerar todas as vestes litúrgicas da tradição cristã, mas apenas as mais utilizadas no meio evangélico, inclusive no Brasil. As vestes litúrgicas, mais do que cumprir uma função estética no culto, tem a função de destacar a função exercida pelo ministro. Simbolicamente quando o pastor está trajando tais vestes, o homem desaparece e a sua função é ressaltada.
Colarinho Clerical
Simboliza o ministério da Palavra, já que a garganta é o local de onde provém a voz, instrumento de proclamação da Palavra de Deus. O modelo mais conhecido é uma tira branca removível, que se encaixa na parte frontal do colarinho de uma camisa ou colete. Existem ainda outros modelos, como por exemplo, o colarinho inteiriço que dá a volta no pescoço dando a impressão de uma coleira branca sobre uma camisa preta ou de outra cor. Esse modelo atribui-se também o significado do ministro como escravo de Cristo, pois o escravo comumente utilizava uma cadeia no pescoço.
O que para muita gente é marca registrada dos sacerdotes católico-romanos, na verdade foi uma criação protestante. O Rev. Donald McLeod, ministro da Igreja da Escócia (presbiteriana) criou no século XIX a camisa clerical (que primeiramente era um colete) para ser mais prático que a sotaina (batina) no uso do dia a dia do ministro. A Igreja Católica só passou a adotar esse traje no Concílio Vaticano II. 
Toga modelo calvinista
No Brasil, as denominações que mais fazem uso desse traje são as Igrejas: Anglicana, Luterana, Metodista, Presbiteriana, Quadrangular, Projeto Vida Nova, Cristã Nova Vida, e em menor grau alguns pastores batistas, nazarenos, congregacionais e raramente alguns pastores da Assembleia de Deus. Já vi até mesmo pastores da Igreja Adventista do Sétimo dia usando colarinho clerical. 
Nos EUA e Europa o uso é muito mais amplo. O traje clergyman, como é conhecido o conjunto terno e camisa clerical, não é propriamente uma veste com função litúrgica, mas uma espécie de “uniforme de trabalho”, já que foi idealizado para o uso no dia a dia do pastor facilitando sua identificação no meio do povo.
Toga (Talar)
Originalmente uma veste acadêmica que foi introduzida no protestantismo pelos calvinistas identificando a função do pastor com a função de um professor das Escrituras e sinalizando seu preparo teológico para tal. Originalmente as togas eram sempre pretas. Hoje, já encontramos togas brancas, azuis, cinzas, etc. A toga perdeu bastante seu simbolismo e ganhou uma conotação mais estética e litúrgica. Nos EUA os mais afeitos ao uso da toga são as igrejas de comunidades afro-americanas. Mas, é largamente utilizada por diversas denominações históricas e pentecostais. No Brasil algumas igrejas presbiterianas e boa parte das luteranas fazem uso frequente. Em outras denominações históricas, os pastores preferem reservar seu uso para solenidades como casamentos, formaturas, ordenações, etc. 
Alba ou Alva
Alba (ou alva)
A alba é uma túnica branca. Esta é a veste litúrgica mais comum da tradição cristã. É na verdade a roupa de todos os batizados. Pois tradicionalmente os cristãos quando eram batizados trajavam túnicas brancas. Qualquer cristão que esteja atuando na liturgia pode utiliza-la. É comum o uso de um cordão amarrado na cintura chamado cíngulo. A alba é mais utilizada por anglicanos e luteranos. Católicos também a usam, naturalmente.
Estola
A estola uma faixa colocada sobre os ombros simbolizando a ordenação. Sua origem remonta ao império romano. Os governadores romanos a utilizavam como símbolo de seu serviço prestado à sociedade. A estola simboliza o ministério ordenado, simboliza que o pastor está a serviço de Cristo e de sua igreja e que sua autoridade vem de Cristo. As cores variam de acordo com ocasião e o tempo litúrgico. No Brasil de vez em quando vemos alguns pastores de igrejas históricas e até mesmo uns poucos pentecostais fazendo uso da estola, geralmente em eventos especiais, mas não é tão comum.
Estola. Cores diferenciam odenação.
Conclusão
Provavelmente muitos dos que estão lendo esse artigo estão questionando onde está o embasamento bíblico para o uso de vestes litúrgicas por parte dos ministros cristãos. Bem, o Antigo Testamento prescrevia o uso de vestes sagradas para os sacerdotes (Ex.28.4). Até mesmo Davi não sendo sacerdote usou uma “estola sacerdotal” (a estola dos levitas era diferente da estola romana a qual o cristianismo adotou como vestimenta litúrgica) e dançou perante o Senhor (2. Sm.6.14).
Alguns argumentarão que isso se tratava do Antigo Testamento e que não encontramos no Novo Testamento qualquer ordenança quanto isso. E de fato, não encontramos mesmo. Isso é apenas uma questão de opção de cada igreja e de cada pastor. Da mesma forma que não temos uma ordem nas Escrituras para fazer uso desse tipo de vestimentas, não temos uma proibição. Meu objetivo com esse artigo não é fazer uma apologia ao uso de paramentos, mas fornecer um pouco mais de informação aos evangélicos brasileiros que em sua grande maioria desconhece algumas de nossas tradições.


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