Aluna evangélica é proibida de estudar por usar saia em escola
Estado defende decisão de diretor de escola pública, mas especialistas criticam restrição à liberdade religiosa
GLOBO
Juliana Prado
Ruben Berta
Fonte - http://www.genizahvirtual.com
GLOBO
Juliana Prado
Ruben Berta
Um impasse
envolvendo o uso de uniforme está causando polêmica na escola estadual
Caic Euclides da Cunha, em Rio das Pedras. Com o sonho de se formar no
ensino médio, a diarista Ana Cristina Silva Torres, de 37 anos, contou
que, há cerca de duas semanas, foi impedida de frequentar as aulas do
curso de Educação Para Jovens e Adultos (EJA), à noite, porque a direção
da unidade proibiu o uso de saia para as alunas. Nos últimos dias, Ana
Cristina conseguiu voltar a estudar, mas ainda não sabe como sua
situação será resolvida. A Secretaria estadual de Educação informou que
existe um padrão de uniforme escolar na rede pública de ensino, composto
por calça, camisa e tênis, que deve ser respeitado por todos os alunos.
— Sou
evangélica e a saia é a vestimenta que eu costumo utilizar no meu dia a
dia. Não é nem que a religião me obrigue a só usar saia, mas é como eu
me sinto bem. A direção da escola foi trocada e o novo diretor disse
para mim que não podia abrir mão do (uso) do uniforme, e que iria cortar
o meu nome da lista de alunos matriculados no colégio. E ele nem quis
conversar, ouvir meus argumentos. Foi uma situação que me deixou muito
magoada — contou a diarista.
Ana Cristina
era analfabeta até seis anos atrás, quando começou a estudar, pensando
principalmente em poder acompanhar os estudos das duas filhas. Depois de
completar a alfabetização, a diarista resolveu fazer o curso supletivo
do ensino fundamental e agora se esforça para conseguir o diploma do
ensino médio.
— Essa decisão
me pegou de surpresa. (O diretor) falar que iria cortar meu nome da
lista (dos matriculados) foi um golpe num sonho que eu tenho desde
criança, de conseguir me formar. Os meus pais não me deixaram estudar.
Hoje, é um objetivo não só meu como também das minhas filhas. É como se
tivessem jogado um balde de água fria na gente — acrescentou Ana
Cristina.
Em nota, a
secretaria argumentou que “todas as escolas, (das redes) pública ou
privada, têm que possuir regras, como o uso do uniforme, para garantir a
segurança de toda a comunidade escolar. Os direitos e deveres são para
todos, independentemente da religião que professem”.
Sobre o caso
específico da diarista, a secretaria disse ainda que “caso o diretor
abra exceção, terá que liberar para todos, acabando com o uso do
uniforme”. E concluiu afirmando que a estudante foi a única pessoa que
se recusou a frequentar a escola com o padrão exigido de calça, camisa e
tênis.
Caso é comparado à proibição do uso de burca por alunas na França
Especialistas
ouvidos pelo GLOBO foram unânimes em questionar a postura da escola e da
secretaria. Consideram que o exercício da manifestação religiosa,
refletido na roupa, não pode ser tolhido. O coordenador geral da
Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, compara a
restrição de que a aluna foi vítima à situação das estudantes muçulmanas
na França, que foram proibidas de usar a burca para ter acesso às
escolas:
— É uma luta
entre o sistema de ensino, querendo impor regras de comportamento,
versus uma opção religiosa. A restrição é equivocada, e tanto a
identidade individual quanto sua cidadania estão sendo desrespeitadas.
O educador
destaca que a escola é laica, o que não significa que ela tenha que
obrigar um padrão de comportamento e impedir a manifestação religiosa.
O sociólogo e
diretor do Iuperj, Geraldo Tadeu Monteiro, chama atenção para
semelhanças entre a situação carioca e a polêmica nas escolas francesas,
em que “uma norma religiosa colide com uma outra norma, secular”:
— A estudante
não está pedindo nada de mais, ela não quer ficar nua, por exemplo. E a
obediência às normas religiosas não traz prejuízo aos outros alunos.
Pelo que temos visto em termos de decisão judicial nos últimos tempos e
pela nossa cultura, é possível que a Justiça se posicione favoravelmente
à aluna.
Ao ser
informada pelo GLOBO sobre a polêmica, a Comissão de Direitos Humanos da
OAB/RJ ofereceu amparo jurídico à estudante. O vice-presiente da
comissão, Aderson Bussinger, defende que, frente a uma situação de
convicção religiosa “profunda”, tem que haver flexibilidade. Diz que o
caso deve ser tratado como algo de caráter excepcional, para que ela use
a roupa que quiser.
— Considerando o
preceito da liberdade religiosa como causa pétrea da nossa Constituição
e uma questão internacional de direitos humanos, a escola tem que se
adequar a essa realidade religiosa.
Saia e vestido rosa choque
Em fevereiro
deste ano, sem ar-condicionado no local de trabalho e proibido de entrar
de bermuda, o funcionário público André Amaral Silva foi trabalhar de
saia no Rio e virou notícia.
Em 2009, Geisy
Arruda foi hostilizada por causa de um vestido rosa choque, considerado
curto demais por outros alunos de sua faculdade, em São Paulo, e
tornou-se uma celebridade.
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