A Trindade, embora uma doutrina cardinal do
cristianismo, às vezes não recebe a devida atenção. Isso se dá mesmo
por parte daqueles que reconhecem a importância e a necessidade de
sermos trinitarianos, de abraçarmos a fé num Deus que é um em substância
e essência, mas três em Pessoa: Pai, Filho e Espírito Santo. A
experiência de Sam Alberry, infelizmente, não é coisa rara:
Se não conhecermos o Deus verdadeiro, que se revela na sua Palavra de maneira infalível, qualquer outro conhecimento será deturpado e carente de significado. Antes de conhecermos a obra da salvação, devemos conhecer o Deus que nos salva. Assim, creio que Bavinck coloca a questão de uma forma mais bíblica:
A unidade da natureza e a distinção de pessoas da Trindade podem ser ilustradas nas seguintes afirmações adicionais:
Pergunta 4. O que Deus é?
Resposta: Deus é espírito, infinito, eterno e imutável em seu ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e verdade.
Pergunta 5. Há mais de um Deus?
Resposta: Há um só Deus, o Deus vivo e verdadeiro.
Pergunta 6. Quantas pessoas há na Divindade?
Resposta: Há três pessoas na Divindade: O Pai, o Filho e o Espírito Santo, e estas três pessoas são um Deus, da mesma substância, iguais em poder e glória.
Devemos deixar claro que o ensino sobre a Trindade não é uma verdade descoberta pelo homem, mas revelada por Deus. E trata-se de uma revelação especial, disponível apenas na Escritura Sagrada. Deus se revela na criação também, mas inúmeras verdades só são encontradas na Bíblia. A Trindade é uma delas, ao lado das duas naturezas de Cristo e tantas outras doutrinas gloriosas. Contemplar o céu e as demais obras da criação podem me apontar para a existência de um Criador, de um Deus, mas não para a existência de um Deus que subsiste em três Pessoas. É por isso que o Evangelho deve ser pregado, pois somente nele temos a revelação plena e salvífica de Deus. Sim, ninguém será salvo sem conhecer a Trindade.
O objetivo deste artigo é analisar como a doutrina da Trindade se relaciona com a vida cristã. Antes disso, veremos alguns erros a se evitar.
Os erros mais comuns, que ainda persistem em nossos dias, são os seguintes: triteísmo, monarquismo e modalismo.
O triteísmo ignora a afirmação bíblica recorrente de que Deus é um. Essa heresia afirma que há três deuses, que são do mesmo tipo e, todavia, distintos e separados um do outro. Devemos cuidar para que não sejamos triteístas quando pensamos sobre Deus, mesmo que não verbalizemos isso. O alerta é oportuno, pois alguns cristãos tendem a pensar em “Deus mais em trindade do que unidade.[3] Eles pensam nele mais facilmente como Três do que como Um-em-Três ou Três-em-Um”.[4] Note que o triteísmo é uma forma de politeísmo.
O monarquismo é o erro daqueles que não reconhecem a igualdade das Pessoas da Trindade. Alguns pensam que o Filho é menos Deus que o Pai, e o Espírito Santo menos Deus que o Filho. Ou pensam que há uma subordinação ontológica das Pessoas. É verdade que na economia da salvação há uma subordinação do Filho ao Pai, e do Espírito ao Filho e ao Pai. Mas isso não está ligado à essência das Pessoas, pois os três são Deus. Trata-se do cumprimento do Pacto, do Acordo feito entre as três Pessoas. O Filho deliberadamente aceitou ser subordinado ao Pai para resgatar o seu povo, e o Espírito aceitou ser subordinado ao Filho e ao Pai para aplicar a salvação adquirida pelo Filho.
Por último, o modalismo é a heresia de que não existem três Pessoas na Trindade. Há um Deus, que é apenas uma Pessoa, mas que se revela de diversos modos (daí o nome modalismo). Portanto, existem vários modos, diversas maneiras de Deus se revelar à humanidade. Em tempos diferentes, ele se revela como Pai, como Filho e então como Espírito Santo.[5]
Tendo visto rapidamente alguns erros comuns sobre a doutrina da Trindade, vejamos a relevância dessa verdade para a vida cristã.
Para o cristão reformado[6], a primazia do conhecimento de Deus é ainda mais nítida. Afinal, o Breve Catecismo de Westminster, um dos belos e antigos símbolos de fé da tradição reformada, começa com a seguinte pergunta: Qual é o fim principal do homem?
A resposta, que mesmo as crianças da família da aliança conhecem,[7] não poderia ser mais bela e bíblica:
Além disso, não poucos lutam e não conseguem encontrar alguma praticidade na doutrina de que Deus existe em três Pessoas distintas e igualmente gloriosas.
A ideia subjacente a esse pensamento é que ensinar sobre a Trindade não é diferente de ensinar sobre Deus. Contudo, o Deus que existe é uma Trindade. Se em nosso forço diário para conhecermos a Deus não buscarmos conhecer o Deus que é uma Trindade, estaremos atrás de um falso deus, um deus criado pela nossa imaginação pecaminosa.
Em outras palavras, se haveremos de cumprir o nosso fim principal, devemos necessariamente aprender sobre a Trindade. Nada pode ter mais relevância prática do que a doutrina sobre Deus, e o Deus que existe é uma Trindade.
Conhecer a Deus, conhecer como ele realmente é, conhecê-lo como revelado na Bíblia, é conhecê-lo como o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
O Evangelho nos dá tremendo discernimento sobre a Trindade, pois no Evangelho vemos o Pai enviando o Filho, revestido de poder pelo Espírito Santo, para receber a ira do Pai e nos colocar em eterna comunhão com Deus.
Voltando à alegação, por parte de alguns, que a Trindade é irrelevante, ou no mínimo uma doutrina “opcional”. Ora, nenhum cristão argumentaria que o Evangelho é opcional. Afinal, o Evangelho é o poder de Deus, para salvação de todo aquele que crê (Rm 1.16). Todavia, o Evangelho é uma realidade trinitariana. O Evangelho torna-se ininteligível sem um conceito das Pessoas distintas de Deus.
Em 1 João 4.14, por exemplo, lemos que “o Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo”. Este simples versículo abre os nossos olhos para as pessoas da Trindade trabalhando em prol da nossa salvação.
A Trindade é indispensável para entendermos o Evangelho. Sem ela, “todo o plano da redenção fica em pedaços”[9].
― Ó Pai, Deus de amor, te agradecemos por ter morrido em nosso lugar.
Essa é, infelizmente, uma oração comum, mas revela um erro grosseiro por não distinguir as Pessoas da Trindade. Somente o Filho encarnou e somente o Filho morreu em favor do seu povo. O Pai, nem o Espírito fez isso.[10]
A nossa oração é, ou ao menos deveria ser trinitariana. O nosso Senhor ensinou claramente que devemos orar ao Pai (Lucas 11.2), em nome de Jesus (isto é, por causa dos seus méritos), e no poder do Espírito Santo.
“Orando no Espírito Santo” (Judas 20), é o que devemos fazer. É ele, a Terceira Pessoa da Trindade, quem desperta em nós o desejo de orar, e quem intercede por nós, pois não sabemos orar como convém. É Paulo quem nos ensina isso claramente:
Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis. (Romanos 8.26)
Todas as três pessoas da Trindade estão presentes na verdadeira oração. Dirigimo-nos ao Pai, o Filho conseguiu esse livre acesso, e o Espírito nos capacita e nos auxilia neste santo dever.
Gosto como Tim Chester coloca isso:
Todavia, isso não é escusa para não trabalharmos em busca de um culto cada vez mais trinitariano. A nossa liturgia deve ser evidentemente triúna, e não apenas os ministros do Evangelho, mas toda a congregação deve ser capaz de explicar o motivo de ser assim.
Mas se Deus não fosse uma Trindade, ele não poderia ser amor. Ele existiria durante uma eternidade “passada”,[13] isto é, antes de ter criado, sozinho, sem amar e sem ser amado.
A ideia de que Deus precisa de nós, de que ele precisava criar, é uma ideia de quem não entendeu a Trindade. Deus não estava sozinho, não estava em busca de alguém para amar ou por quem ser amado. Ele já amava e era amado antes da fundação do mundo. Vejamos:
Portanto, a criação não é Deus em busca de amor, mas Deus derramando o seu amor, jorrando o seu amor. O fato de ele nos criar, mesmo sem precisar, nos revela o seu amor. Se ele não estava carente de companhia (e de fato não estava!), se não necessitava da criação (longe disso!), e mesmo assim decidiu ir adiante e criar, só podemos exclamar: quão grande é esse amor!
A Trindade não é um mistério, pois está revelada na Escritura.[14] Trata-se de uma verdade que Deus nos apresentou em sua Palavra inspirada, inerrante e infalível. Por outro lado, ela é um mistério[15] no sentido de não sabermos diversas coisas; na Escritura, não nos foi revelado tudo acerca da existência de Deus como uma Trindade. Não há uma descrição detalhada e exaustiva de como a Trindade “funciona”.
Portanto, devemos lidar apenas com aquilo que a Escritura nos revela acerca do Deus que existe, do Deus que é uma Trindade. Não nos é lícito especular sobre inúmeras verdades, muito menos a verdade sobre Deus. E mais: não apenas não sabemos tudo sobre Deus, mas não podemos, e nunca poderemos saber! Eu explico:
As Pessoas da Trindade são plenamente conhecidas apenas uma pelas outras. Deus é um ser Infinito e nós, seres finitos, não podemos saber tudo o que é possível saber sobre ele. Digo possível, pois, como já dissemos, trata-se de algo possível e factual entre as Pessoas da Trindade. Jesus diz em Mateus 11.27:
Ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho…
É verdade que ao final Jesus diz: “e aquele a quem o Filho o quiser revelar”. Mas não se trata de uma revelação completa. Esta não é uma interpretação forçada, pois é corroborada por outras passagens, dentre elas 1 Coríntios 2.11:
Porque qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espírito, que nele está? Assim, também as coisas de Deus, ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus.
O Pai conhece o Filho, o Filho conhece o Pai e ambos conhecem e são conhecidos pelo Espírito de uma forma que nunca estará acessível a nós, criaturas. A distinção Criador-criatura é instransponível. Alguns reconhecem isso, mas acham que a distinção e a limitação de conhecimento serão eliminadas no céu, após sermos glorificados. É claro que teremos um conhecimento mais claro e abrangente de quem Deus é, mas ainda será um conhecimento muitíssimo limitado. Afinal, seremos glorificados, mas não deixaremos de ser criaturas.
Este é o nosso Deus. Prostremo-nos diante dele.
Quando jovem cristão, eu tinha um entendimento básico que, oficialmente, Deus era uma Trindade. Mas não oficialmente, isso quase não fazia diferença na minha vida cristã. Eu orava a Deus. Sabia que Jesus tinha morrido por meus pecados. Eu lia a Bíblia e tentava viver a vida de uma maneira que agradasse ao meu Pai celestial. Nunca me ocorreu ir além disso. A doutrina da Trindade estava cuidadosamente arquivada na gaveta de “Coisas que todos os bons cristãos creem” e, então, nunca mais revista.[1]Gostamos de enfatizar a importância da justificação pela fé. Alegamos, seguindo Lutero e tantos outros, que ela é a doutrina pela qual a Igreja cai ou fica de pé. Embora reconheçamos a importância da bendita verdade de que somos justificados unicamente por causa de Cristo, por termos fé nele, como nosso Salvador e Substituto, há algo ainda mais fundamental. É a doutrina de Deus.
Se não conhecermos o Deus verdadeiro, que se revela na sua Palavra de maneira infalível, qualquer outro conhecimento será deturpado e carente de significado. Antes de conhecermos a obra da salvação, devemos conhecer o Deus que nos salva. Assim, creio que Bavinck coloca a questão de uma forma mais bíblica:
A doutrina da Trindade é de importância incalculável para a religião cristã. Todo o sistema cristão de crença, toda a revelação especial fica de pé ou cai com a confissão da doutrina da Trindade. Ela é o núcleo da fé cristã, a raiz de todos os seus dogmas, o conteúdo básico da nova aliança.[2]Sim, devemos conhecer o Deus que se revela. E ele, ao se autorrevelar, nos informa que é uma Trindade. A partir do que encontramos na Bíblia, a autorrevelação de Deus, podemos dizer que o ensino bíblico sobre a Trindade abrange quatro afirmações essenciais:
- Há um e somente um Deus vivo e verdadeiro;
- Este único Deus existe eternamente em três pessoas — Deus o Pai, Deus o Filho e Deus o Espírito Santo;
- Essas três pessoas são completamente iguais em atributos, cada uma com a mesma natureza divina;
- Embora cada pessoa seja plena e completamente Deus, as pessoas não são idênticas.
A unidade da natureza e a distinção de pessoas da Trindade podem ser ilustradas nas seguintes afirmações adicionais:
- O Pai é Deus;
- O Pai não é o Filho;
- O Pai não é o Espírito Santo;
- O Filho é Deus;
- O Filho não é o Pai;
- O Filho não é o Espírito Santo;
- O Espírito Santo é Deus;
- O Espírito Santo não é o Pai;
- O Espírito Santo não é o Filho.
Pergunta 4. O que Deus é?
Resposta: Deus é espírito, infinito, eterno e imutável em seu ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e verdade.
Pergunta 5. Há mais de um Deus?
Resposta: Há um só Deus, o Deus vivo e verdadeiro.
Pergunta 6. Quantas pessoas há na Divindade?
Resposta: Há três pessoas na Divindade: O Pai, o Filho e o Espírito Santo, e estas três pessoas são um Deus, da mesma substância, iguais em poder e glória.
Devemos deixar claro que o ensino sobre a Trindade não é uma verdade descoberta pelo homem, mas revelada por Deus. E trata-se de uma revelação especial, disponível apenas na Escritura Sagrada. Deus se revela na criação também, mas inúmeras verdades só são encontradas na Bíblia. A Trindade é uma delas, ao lado das duas naturezas de Cristo e tantas outras doutrinas gloriosas. Contemplar o céu e as demais obras da criação podem me apontar para a existência de um Criador, de um Deus, mas não para a existência de um Deus que subsiste em três Pessoas. É por isso que o Evangelho deve ser pregado, pois somente nele temos a revelação plena e salvífica de Deus. Sim, ninguém será salvo sem conhecer a Trindade.
O objetivo deste artigo é analisar como a doutrina da Trindade se relaciona com a vida cristã. Antes disso, veremos alguns erros a se evitar.
A Trindade e alguns erros comuns
Durante toda a história da Igreja, muitos tentaram simplificar a doutrina da Trindade, torná-la mais “palatável”, mais fácil de crer. Mas ao fazê-lo, eles acabaram não representando o que a Escritura ensina verdadeiramente, e terminaram com uma doutrina da Trindade bem diferente da doutrina bíblica.Os erros mais comuns, que ainda persistem em nossos dias, são os seguintes: triteísmo, monarquismo e modalismo.
O triteísmo ignora a afirmação bíblica recorrente de que Deus é um. Essa heresia afirma que há três deuses, que são do mesmo tipo e, todavia, distintos e separados um do outro. Devemos cuidar para que não sejamos triteístas quando pensamos sobre Deus, mesmo que não verbalizemos isso. O alerta é oportuno, pois alguns cristãos tendem a pensar em “Deus mais em trindade do que unidade.[3] Eles pensam nele mais facilmente como Três do que como Um-em-Três ou Três-em-Um”.[4] Note que o triteísmo é uma forma de politeísmo.
O monarquismo é o erro daqueles que não reconhecem a igualdade das Pessoas da Trindade. Alguns pensam que o Filho é menos Deus que o Pai, e o Espírito Santo menos Deus que o Filho. Ou pensam que há uma subordinação ontológica das Pessoas. É verdade que na economia da salvação há uma subordinação do Filho ao Pai, e do Espírito ao Filho e ao Pai. Mas isso não está ligado à essência das Pessoas, pois os três são Deus. Trata-se do cumprimento do Pacto, do Acordo feito entre as três Pessoas. O Filho deliberadamente aceitou ser subordinado ao Pai para resgatar o seu povo, e o Espírito aceitou ser subordinado ao Filho e ao Pai para aplicar a salvação adquirida pelo Filho.
Por último, o modalismo é a heresia de que não existem três Pessoas na Trindade. Há um Deus, que é apenas uma Pessoa, mas que se revela de diversos modos (daí o nome modalismo). Portanto, existem vários modos, diversas maneiras de Deus se revelar à humanidade. Em tempos diferentes, ele se revela como Pai, como Filho e então como Espírito Santo.[5]
Tendo visto rapidamente alguns erros comuns sobre a doutrina da Trindade, vejamos a relevância dessa verdade para a vida cristã.
A Trindade e o Fim Principal do Homem
Nenhum cristão verdadeiro ousaria dizer que o ensino sobre Deus é irrelevante, ou de pouca praticidade. Longe disso! Aquele que foi salvo deseja conhecer mais e mais o Deus que o salvou.Para o cristão reformado[6], a primazia do conhecimento de Deus é ainda mais nítida. Afinal, o Breve Catecismo de Westminster, um dos belos e antigos símbolos de fé da tradição reformada, começa com a seguinte pergunta: Qual é o fim principal do homem?
A resposta, que mesmo as crianças da família da aliança conhecem,[7] não poderia ser mais bela e bíblica:
O fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre.[8]Embora a necessidade e obrigação de conhecermos e prosseguirmos em conhecer a Deus (Oseias 6.3) seja uma verdade abraçada e afirmada com vigor pelos cristãos, o mesmo não acontece com a Trindade. Muitos consideram a Trindade uma doutrina obscura, estranha, difícil demais para merecer a nossa atenção. Uma doutrina que não pode ser negada, mas que deve ser deixada de lado; afinal, é mais seguro, a fim de evitarmos alguma heresia ao lidar com tão “perigosa” doutrina.
Além disso, não poucos lutam e não conseguem encontrar alguma praticidade na doutrina de que Deus existe em três Pessoas distintas e igualmente gloriosas.
A ideia subjacente a esse pensamento é que ensinar sobre a Trindade não é diferente de ensinar sobre Deus. Contudo, o Deus que existe é uma Trindade. Se em nosso forço diário para conhecermos a Deus não buscarmos conhecer o Deus que é uma Trindade, estaremos atrás de um falso deus, um deus criado pela nossa imaginação pecaminosa.
Em outras palavras, se haveremos de cumprir o nosso fim principal, devemos necessariamente aprender sobre a Trindade. Nada pode ter mais relevância prática do que a doutrina sobre Deus, e o Deus que existe é uma Trindade.
Conhecer a Deus, conhecer como ele realmente é, conhecê-lo como revelado na Bíblia, é conhecê-lo como o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
A Trindade e a Salvação
Quando as pessoas são salvas, geralmente elas não percebem que algo trinitariano lhes aconteceu. Mas “algo trinitariano” é precisamente o que aconteceu na salvação: todo aquele que é salvo foi trazido pelo Pai (Jo 6.44) e levado pelo Espírito a confessar que Jesus é Senhor (1Co 12.3).O Evangelho nos dá tremendo discernimento sobre a Trindade, pois no Evangelho vemos o Pai enviando o Filho, revestido de poder pelo Espírito Santo, para receber a ira do Pai e nos colocar em eterna comunhão com Deus.
Voltando à alegação, por parte de alguns, que a Trindade é irrelevante, ou no mínimo uma doutrina “opcional”. Ora, nenhum cristão argumentaria que o Evangelho é opcional. Afinal, o Evangelho é o poder de Deus, para salvação de todo aquele que crê (Rm 1.16). Todavia, o Evangelho é uma realidade trinitariana. O Evangelho torna-se ininteligível sem um conceito das Pessoas distintas de Deus.
Em 1 João 4.14, por exemplo, lemos que “o Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo”. Este simples versículo abre os nossos olhos para as pessoas da Trindade trabalhando em prol da nossa salvação.
A Trindade é indispensável para entendermos o Evangelho. Sem ela, “todo o plano da redenção fica em pedaços”[9].
A Trindade e a Oração
A falta do entendimento da Trindade é muitas vezes revelada na forma como oramos. Não poucas vezes as pessoas da Trindade são confundidas nas orações do povo de Deus.― Ó Pai, Deus de amor, te agradecemos por ter morrido em nosso lugar.
Essa é, infelizmente, uma oração comum, mas revela um erro grosseiro por não distinguir as Pessoas da Trindade. Somente o Filho encarnou e somente o Filho morreu em favor do seu povo. O Pai, nem o Espírito fez isso.[10]
A nossa oração é, ou ao menos deveria ser trinitariana. O nosso Senhor ensinou claramente que devemos orar ao Pai (Lucas 11.2), em nome de Jesus (isto é, por causa dos seus méritos), e no poder do Espírito Santo.
“Orando no Espírito Santo” (Judas 20), é o que devemos fazer. É ele, a Terceira Pessoa da Trindade, quem desperta em nós o desejo de orar, e quem intercede por nós, pois não sabemos orar como convém. É Paulo quem nos ensina isso claramente:
Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis. (Romanos 8.26)
Todas as três pessoas da Trindade estão presentes na verdadeira oração. Dirigimo-nos ao Pai, o Filho conseguiu esse livre acesso, e o Espírito nos capacita e nos auxilia neste santo dever.
A Trindade e a Adoração
O verdadeiro culto cristão é trinitariano. É algo inescapável. Deixe-me explicar.Gosto como Tim Chester coloca isso:
Nossa adoração é inevitavelmente trinitariana. O Pai e o Filho se deleitam um no outro, na alegria do Espírito e juntos participamos desse deleite (Lucas 10.21-22).[11] Mas frequentemente perdemos a percepção disso quando não é algo explícito na forma como moldamos a nossa adoração. Mas a Trindade impacta nossa adoração (quer percebamos ou não)! Mesmo quando nossa adoração é fraca e desfigurada pelo pecado, o Espírito nos conecta a Cristo nosso Sacerdote, que nos representa diante do Pai na congregação celestial (Hb 2.11-13).[12]Em outras palavras, a verdade da Trindade deveria estar explícita em nosso culto comunitário: nas orações, nos hinos e, sobretudo, na pregação. Contudo, mesmo quando isso não acontece, o culto ainda é trinitariano. O motivo é belo e enche o coração de alegria: a Trindade está trabalhando para nos perdoar e tornar o nosso culto aceitável.
Todavia, isso não é escusa para não trabalharmos em busca de um culto cada vez mais trinitariano. A nossa liturgia deve ser evidentemente triúna, e não apenas os ministros do Evangelho, mas toda a congregação deve ser capaz de explicar o motivo de ser assim.
A Trindade e “Deus como Amor”
Em 1 João 4.8, lemos que “Deus é amor”. Mesmo crianças podem entender que o amor exige a existência de mais de uma pessoa. Assim, se Deus é amor, entendemos que Deus é tanto o amante como o amado.Mas se Deus não fosse uma Trindade, ele não poderia ser amor. Ele existiria durante uma eternidade “passada”,[13] isto é, antes de ter criado, sozinho, sem amar e sem ser amado.
A ideia de que Deus precisa de nós, de que ele precisava criar, é uma ideia de quem não entendeu a Trindade. Deus não estava sozinho, não estava em busca de alguém para amar ou por quem ser amado. Ele já amava e era amado antes da fundação do mundo. Vejamos:
Portanto, a criação não é Deus em busca de amor, mas Deus derramando o seu amor, jorrando o seu amor. O fato de ele nos criar, mesmo sem precisar, nos revela o seu amor. Se ele não estava carente de companhia (e de fato não estava!), se não necessitava da criação (longe disso!), e mesmo assim decidiu ir adiante e criar, só podemos exclamar: quão grande é esse amor!
Uma Palavra de Cautela
Não precisamos e não devemos simplificar o conceito da Trindade. Mas permitir que a explicação da Trindade seja complexa não significa entrar em todos os detalhes da Trindade econômica, muito menos nas noções especulativas a partir dos debates acadêmicos.A Trindade não é um mistério, pois está revelada na Escritura.[14] Trata-se de uma verdade que Deus nos apresentou em sua Palavra inspirada, inerrante e infalível. Por outro lado, ela é um mistério[15] no sentido de não sabermos diversas coisas; na Escritura, não nos foi revelado tudo acerca da existência de Deus como uma Trindade. Não há uma descrição detalhada e exaustiva de como a Trindade “funciona”.
Portanto, devemos lidar apenas com aquilo que a Escritura nos revela acerca do Deus que existe, do Deus que é uma Trindade. Não nos é lícito especular sobre inúmeras verdades, muito menos a verdade sobre Deus. E mais: não apenas não sabemos tudo sobre Deus, mas não podemos, e nunca poderemos saber! Eu explico:
As Pessoas da Trindade são plenamente conhecidas apenas uma pelas outras. Deus é um ser Infinito e nós, seres finitos, não podemos saber tudo o que é possível saber sobre ele. Digo possível, pois, como já dissemos, trata-se de algo possível e factual entre as Pessoas da Trindade. Jesus diz em Mateus 11.27:
Ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho…
É verdade que ao final Jesus diz: “e aquele a quem o Filho o quiser revelar”. Mas não se trata de uma revelação completa. Esta não é uma interpretação forçada, pois é corroborada por outras passagens, dentre elas 1 Coríntios 2.11:
Porque qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espírito, que nele está? Assim, também as coisas de Deus, ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus.
O Pai conhece o Filho, o Filho conhece o Pai e ambos conhecem e são conhecidos pelo Espírito de uma forma que nunca estará acessível a nós, criaturas. A distinção Criador-criatura é instransponível. Alguns reconhecem isso, mas acham que a distinção e a limitação de conhecimento serão eliminadas no céu, após sermos glorificados. É claro que teremos um conhecimento mais claro e abrangente de quem Deus é, mas ainda será um conhecimento muitíssimo limitado. Afinal, seremos glorificados, mas não deixaremos de ser criaturas.
Este é o nosso Deus. Prostremo-nos diante dele.
[1] Sam Allberry, Connected: Living in the light of the Trinity (Nottingham: IVP, 2012), p. 13.
[2] Herman Bavinck, Dogmática Reformada — Deus e a Criação, Volume 2 (São Paulo: Cultura Cristã, 2012), p. 341. Ênfase adicionada.
[3]
Ou seja, embora usemos o termo Trindade, devemos pensar em Deus como
triunidade, como um Deus triúno. Há unidade na pluralidade!
[4] Stuart Olyott, What the Bible Teaches about The Trinity (Darlington, England: EP Books, 2011), 88.
[5]
A tentativa de explicar a Trindade como a água em seus três estados
(líquido, gasoso e sólido) é claramente uma visão modalista. Vale
lembrar que qualquer analogia para a Trindade é inapropriada, pois não
se trata de uma realidade presente e descoberta na criação. Conhecemos a
Trindade somente mediante revelação proposicional do Criador, em sua
Palavra.
[6]
Ou seja, que creem naquilo que é comumente chamado de Teologia
Reformada. Para os não familiarizados com a Teologia Reformada,
recomendo as seguintes leituras: O que é teologia reformada, de R. C. Sproul; Calvinismo, de Abraham Kuyper; Vivendo para a glória de Deus, de Joel Beeke.
[7]
Na verdade, o Breve Catecismo de Westminster, embora usado em nossos
dias para instrução de adultos, foi criado para o ensino das crianças.
[8] Ou, como sugerem alguns amigos, “deleitar-se nele para sempre”.
[9] Stuart Olyott, What the Bible Teaches about The Trinity (Darlington, England: EP Books, 2011), 98.
[10]
É claro, muitos dos que oram assim o fazem por ignorância, sem
perceberem o que estão fazendo. Aliás, não poucos soltam essas “pérolas”
devido ao nervosismo quando oram em público. A despeito da não
intencionalidade desses cristãos, orar dessa maneira é afirmar a heresia
do modalismo.
[11]
Naquela hora, exultou Jesus no Espírito Santo e exclamou: Graças te
dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos
sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque
assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém sabe
quem é o Filho, senão o Pai; e também ninguém sabe quem é o Pai, senão o
Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar. (Lucas 10.21-22)
[12] Credo Magazine, Abril 2013, p. 18.
[13] Como Deus criou o próprio tempo, não existe uma eternidade passada.
[14] Diferente do uso popular do termo, mesmo por grandes teólogos, mistério
não é algo desconhecido, algo nebuloso, muito menos um conhecimento
místico. Antes, é um conhecimento que estava oculto, que era
desconhecido, mas foi posteriormente revelado por Deus. O termo é muito
usado pelo apóstolo Paulo e pode ser visto em diversas passagens, das
quais citamos três: “Mas falamos a sabedoria de Deus em mistério,
outrora oculta, a qual Deus preordenou desde a eternidade para a nossa
glória” (1 Coríntios 2.7); “Eis que vos digo um mistério: nem todos
dormiremos, mas transformados seremos todos” (1 Coríntios 15.51); “O
mistério que estivera oculto dos séculos e das gerações; agora, todavia,
se manifestou aos seus santos” (Colossenses 1.26).
[15] Não há contradição aqui. Estou simplesmente dizendo que sabemos alguma coisa, mas não tudo (longe disso!).
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