Douglas Reis
No
ano passado, grandes cidades brasileiras receberam a presença do cantor
gospel David Phelps, em uma turnê pelo nosso país, que foi patrocinada
por uma empresa que promove eventos, administrada por um adventista do
sétimo dia. Além disso, a própria ADRA (Agência Adventista de
Desenvolvimento de Recursos Assistenciais) recebeu alimentos doados à
entrada de cada apresentação, e um pastor adventista participou do
evento através de mensagens faladas.
Antes
de Phelps tivemos a presença de outros nomes fortes da música
evangélica cristã no Brasil: em 2005, Take Six e Michael Smith fizeram
shows em São Paulo, Curitiba, Rio de Janeiro, entre outras cidades. Isso
sem contar a presença dos tenores Steve Green e Larnelle Harris,
convidados de honra de dois aniversários do UNASP campus II
(respectivamente, 10 e 15 anos). Isso nos leva a ter a certeza de que
outros shows virão.
Mas seria adequado
para o cristão envolver-se com esse tipo de evento? Quão válidos são os
shows de artistas cristãos do ponto de vista espiritual? Ou seriam mero
entretenimento? Este artigo tece algumas observações sobre os aspectos
dos shows cristãos de uma forma geral, sem se ater à análise de um
cantor ou grupo em especial. Alguns exemplos são citados como forma de
elucidar cada ponto da argumentação. O principal é abrir a discussão
sobre um fenômeno que recentemente tem se tornado parte da vida social
dos adventistas do sétimo dia; contudo, apesar do foco denominacional,
acreditamos que a abordagem favoreça o debate no contexto de outros
grupos cristãos evangélicos.
CONSIDERAÇÕES CULTURAIS
É
bom definirmos que, por show, nos referimos a uma apresentação
artística. É isso que entendemos significar a palavra para a maioria dos
brasileiros. sabemos que, em Inglês, show é um termo mais geral, que
significa apresentação, não especificamente artística.
Cabe
outra pergunta: em que os shows de cantores cristãos diferem do de
intérpretes seculares, em questão de estilo musical, produção, figurino e
ambiente? São vistas mais semelhanças ou contrastes no comparativo?
É
notável que cantores cristãos se vestem e se apresentam de forma
próxima aos padrões dos demais cantores pop. O próprio David Phelps
frequentemente é visto usando jóias extravagantes. Como adventistas,
acreditamos na orientação apostólica para não usarmos vestuário
dispendioso e ornamento chamativo. (I Pedro 3:3). Como querer manter o
princípio bíblico e passá-los aos jovens e adolescentes se os cantores
cristãos que eles acompanham não seguem esses mesmos valores?
Também
notamos que coreografias e danças fazem parte dos shows cristãos.
Alguns cantores são acompanhados por bailarinos em suas apresentações. A
maioria das igrejas protestantes não compartilha da admissão desse
elemento em seus cultos. Alguns até poderiam argumentar que a bíblia
menciona que Davi dançou diante da arca do Senhor e que isso seria
válido em nossos dias. Notemos o que a escritora Ellen White afirma
sobre o assunto:
"A
dança de Davi em júbilo reverente, perante Deus, tem sido citada pelos
amantes dos prazeres para justificarem as danças modernas da moda; mas
não há base para tal argumento. Em nosso tempo a dança está associada
com a extravagância e as orgias noturnas. A saúde e a moral são
sacrificadas ao prazer. Para os que freqüentam os bailes, Deus não é
objeto de meditação e reverência; sentir-se-ia estarem a oração e o
cântico de louvor deslocados, na assembléia deles.
"Esta
prova deve ser decisiva. Diversões que tendem a enfraquecer o amor
pelas coisas sagradas e diminuir nossa alegria no serviço de Deus, não
devem ser procuradas por cristãos. A música e dança, em jubiloso louvor a
Deus, por ocasião da mudança da arca, não tinham a mais pálida
semelhança com a dissipação da dança moderna. A primeira tendia à
lembrança de Deus, e exaltava Seu santo nome. A última é um ardil de
Satanás para fazer os homens se esquecerem de Deus e O desonrarem."
(Patriarcas e Profetas, pp.313 e 314.)
Dada
a diferença entre a espontânea e inocente coerografia do rei-salmista
com a prática sensual em que se tornou a dança, não podemos torná-la uma
prática livremente aceitável.
Para
mim, o mais curioso é que as músicas de maioria de artistas cristãos
poderia ser incluída dentro do gênero pop, ou seja, música altamente
comercial, do mesmo tipo que se ouve nas FMs seculares.
O
próprio Bill Gaither, no último DVD lançado pelo seu badalado quarteto
"The Gaither Vocal Band" fez uma confissão curiosa: o compositor Kim
Willians, que havia feito trabalhos com cantores do country music
americana ( como Reba Mcentire, George Jones e Garth Brooks, entre
outros), compôs uma das faixas gravadas no DVD em questão, em parceria
com Benjamim Gaither, filho de Bill. A música "The Love can turning the
World", é bem "soft", falando de temas gerais, como amor, aceitação, e
mencionando muito pouco Jesus. Não se poderia esperar uma jóia
espiritual proveniente de um compositor secular!
Não
apenas o estilo é secular, mas, em muitos casos, parte do repertório
também! Em um mega-show patrocinado pela Sociedade Bíblica Americana, o
extinto quarteto 4 Him, em determinado momento, cantou um dos sucessos
do grupo Bee Gees.
Aqui no Brasil temos
muitos exemplos e extraídos de adventistas do sétimo dia! A cantora
Tatiana Costa lançou seu CD/DVD intitulado "Faça a Diferença". Num dueto
com o cantor Leonardo Gonçalves, eles regravam um dos sucessos da
canadense Celine Dion. Até no clip da música em questão, "Sou seu anjo",
Tatiana se veste de branco, como a própria Celine no vídeo original.
Fica difícil fazer a diferença quando se tenta ser igual...
Outra cantora adventista, a conhecida Alessandra Samadello, foi pivô de uma polêmica quando
compareceu no programa da apresentadora Hebe Camargo e, sem qualquer
menção ao fato de ser cristã, começou a cantar música popular
brasileira, na tentativa de promover um show que faria em São Paulo.
O
maior perigo, no entanto, é que o show se centralize na pessoa do
artista, ou em algum traço de sua pessoa, como carisma, técnica vocal,
etc. Isto significa que o louvor está sendo dado a homens e Deus vem a
ser roubado de Sua glória. O Senhor não divide o palco com ninguém - ou
Lhe damos todo o louvor ou Ele fica sem louvor nenhum!
Pelos
aspectos que acabamos de ver, fica claro que shows cristãos, do ponto
de vista cultural, não diferem de forma significativa de shows seculares
e muito menos se pautam pelos padrões bíblicos de conduta ou adoração.
Ainda assim, queremos analisar o assunto da adoração de forma separada.
LENÇO NA MÃO E PRÓXIMO DE DEUS
Uma
amiga minha compareceu ao show de Michael Smith e disse que a
apresentação a elevou espiritualmente. Desde que se voltou para o gênero
de "Worships" (hinos curtos, de estrutura musical pobre e bem
emocionais), Michael se tornou uma referência internacional. Ele e
cantores de worship influenciam do Ministério Diante do Trono ao
Ministério de Louvor do Pr. Fernando Iglesias.
Minha
esposa me relatou recentemente que, ao ouvir as músicas do DVD
comemorativo de 20 anos de louvor de Luís Cláudio reconheceu não apenas
as mesmas músicas de Michel Smith, mas o mesmo clima emocional, com
direito a aleluias e palmas.
Sem
percebermos, os shows de artistas evangélicos influenciam os nossos e,
por tabela, a forma de nossos cantores se apresentarem dentro de nossas
igrejas. Porém, temos nos esquecido de que a forma de adorar a Deus tem
que ver com o entendimento que temos de Sua pessoa. Uma adoração
emocional não reflete a santidade do Deus da Bíblia. Não quero dizer que
a adoração tenha que ser "fria", apenas racional; mas tem de haver
respeito à Pessoa Divina. Sairmos emocionados de um show não implica em
um encontro real com Deus. Nossas emoções nunca foram base segura para
medir nossa comunhão com Deus (Jeremias 17:3, I João 3:20).
Ainda assim, alguns pensam que essa forma de programa possa servir para atrair não-cristãos para Deus. Será?
A ISCA CERTA
Se
uma pessoa "curte" rock, axé, samba, tecno, pop, hip-hop, não seria
mais lógico atraí-la para Cristo colocando uma letra cristã no gênero
musical de sua preferência?
Por mais
razoável que isso soe, trata-se, em verdade, de uma inversão de valores.
Primeiro porque a música no culto tem a função principal de expressar
nossa adoração a Deus, tendo, portanto, de estar fundamentada naquilo
que agrada ao Senhor (expressando sentimentos como reverência, entrega,
submissão, paz, etc). Qualquer influência de ritmos seculares compromete
a adoração e não pode servir para uma atuação ideal do Espírito (uso o
adjetivo "ideal" porque muitas vezes o Espírito até pode usar algo que
fuja do ideal para a Sua glória, sem que essa ressalva anule o
princípio).
Note, porém, que quando a adoração é praticada de forma ideal os descrentes são, conseqüentemente influenciados:
"Vi
que todos devem cantar com o espírito e com o entendimento também. Deus
não Se agrada de algaravia e dissonância. O correto é sempre mais
agradável a Ele que o errado. E quanto mais perto o povo de Deus se puder aproximar do canto correto, harmonioso, tanto mais é Ele glorificado, a igreja beneficiada e os incrédulos favoravelmente impressionados." (Evangelismo, p. 508, grifos meus).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em
nenhum lugar da Bíblia ou do Espírito de Profecia os cristãos são
proibidos de realizarem programas musicais fora do contexto de uma
igreja local, como num anfiteatro ou ginásio, por exemplo; agora, tendo
visto o que apresentamos acima, devem ser feitas as devidas
considerações sobre o caráter do evento para que o nome de nosso
Salvador não seja desonrado. Devemos igualmente julgar o ambiente,
caráter e produção das apresentações ditas "gospel" antes de,
inadvertidamente, comprarmos o ingresso. Temos de ter sabedoria, porque,
a medida em que o tempo avança, mais Satanás trabalha para misturar
sentimentos mundanas com as práticas do verdadeiro cristianismo.
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