Desde que me entendo por gente, ouço a frase: Deus ama o pecador, mas
odeia o pecado. Jamais ousei questionar isso, pois sempre fez muito
sentido pra mim. Deus odeia o pecado por conta do mal que ele nos faz.
Portanto, o ódio divino pelo pecado está diretamente ligado ao Seu amor
por nós, pecadores.
Apesar disso, deparo-me com passagens bíblicas que afirmam que Deus não odeia apenas o pecado, mas também o pecador.
“Estas seis coisas o SENHOR odeia, e a sétima a sua alma abomina: Olhos altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, o coração que maquina pensamentos perversos, pés que se apressam a correr para o mal, a testemunha falsa que profere mentiras, e o que semeia contendas entre irmãos.”
Fica claro que Deus não odeia apenas a mentira, mas também que a
profere. Assim como também odeia o que engendra pensamentos malignos,
quem promove contendas entre irmãos, quem possui olhar arrogante, entre
outros mais. O salmista é ainda mais abrangente ao declarar que Deus
odeia “a todos os que praticam a maldade” (Sl.5:5). Ele odeia ao
“ímpio e ao que ama a violência” (Sl.11:5). Basicamente, estas são as
passagens mais usadas para respaldar o ódio que Deus nutre pelos
pecadores.
Para alguns, jamais deveríamos afirmar que Deus ama igualmente a todos
os homens, posto que alguns seriam alvos exclusivamente de Sua ira. Deus
não poderia amá-los e odiá-los ao mesmo tempo.
Em cima desta compreensão, a meu ver equivocada, manifestações têm sido
promovidas por cristãos ultraconservadores, ostentando placas que trazem
inscrições do tipo “Deus odeia os gays”, “Deus odeia Lady Gaga”, e
pasmem, “Deus odeia o Brasil”.
Somente os eleitos seriam alvo do amor de Deus. O resto da criação estaria sob a Sua ira por toda a eternidade.
De acordo com Paulo, “todos nós também antes andávamos nos desejos da
nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por
natureza filhos da ira, como os outros também” (Ef.2:3). Portanto,
mesmo os eleitos já estiveram um dia sob a ira justa de Deus. Será que
neste tempo, Deus deixou de amá-los? Claro que não!
Deus não passou a amar-nos quando fomos atraídos a Cristo. Pelo
contrário, Ele nos amou mesmo quando estávamos mortos em nossos delitos e
pecados. Ele mesmo afirma: “…com amor eterno te amei, por isso com benignidade te atraí”
(Jer.31:3). Ele nos atraiu por nos amar desde a eternidade. Mesmo
quando estávamos sob Sua ira, Ele não retirou de nós o Seu amor.
O próprio Jesus declara que “aquele que crê no Filho tem a vida
eterna; mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de
Deus sobre ele permanece” (Jo.3:36). Ora, se sobre uns a ira de Deus permanece, é porque sobre outros ela é retirada.
O ponto que quero enfatizar é a possibilidade de Deus amar, mesmo
enquanto odeia. Ele odeia aquilo em que nos tornamos, por causa do
pecado, mas ama aquilo que Ele nos criou para ser. Apesar de odiosos,
somos amados.
Mesmo os réprobos são alvo do amor de Deus. Repare no que diz o salmista: “Piedoso e benigno é o Senhor, tardio em irar-se e grande amor. O Senhor é bom para todos tem compaixão de todas as suas obras” (Sl.145:8-9). Ora, se é verdade que o Senhor fez todas as coisas, “até o ímpio” (Pv.16:4), logo, Deus também o ama. Caso o contrário, não poderíamos afirmar que Ele tem compaixão de todas as suas obras.
Um exemplo disso pode ser encontrado no episódio em que Jesus é abordado por um jovem rico. O texto diz que “Jesus, olhando para ele o amou”
(Mc.10:21). Não obstante, ele recusou a oferta de Jesus, e saiu triste
por não querer abrir mão de suas riquezas pela vida eterna. Portanto,
sobre ele permaneceu a ira de Deus.
Quando um filho meu apronta, naquele instante sinto ódio dele, mas nem
por isso perco o meu amor. A diferença é que a ira é momentânea, mas o
amor é eterno. O salmista diz que a ira de Deus dura só um instante, mas
no seu favor está a vida (Sl.30:5).
Até quando está irado, Deus não desiste de amar. É Seu amor teimoso a
razão de sobrevivermos à Sua justa ira. O profeta Habacuque conclui que
mesmo na ira, Deus lembra-se da misericórdia (Hc.3:2). Só por isso não
somos consumidos. Enquanto Sua ira, além de tardar, dura um momento,
Suas misericórdias se renovam a cada manhã.
A ira de Deus é a Sua reação ao pecado. Porém, o amor é aquilo de quê é
constituído o Seu ser. Deus pode eventualmente irar-se, mas jamais deixa
de ser amor. Deixar de amar seria aniquilar-se, deixar de ser Deus,
negar Sua própria natureza. E a todos quanto ama, Ele os ama
eternamente.
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