Douglas Reis
Já é frequente nos meios adventistas o conceito de que a música se
presta ao papel de conectar o adorador com Deus. Cantar leva a sentir Deus de
forma mais íntima. Como reflexo disso, não apenas se canta mais, criando um
longo espaço dedicado ao canto congregacional (em algumas congregações, o tempo
dedicado ao canto é maior do que qualquer outro momento do culto), como também
fica implícita (ou explícita mesmo?) a ideia de que cantar seja a parte
principal do culto. Os que pensam assim reforçam o poder da música, com sua
capacidade de nos atingir de forma mais completa do que um sermão.
Sutilmente, o tipo de músicas cantadas vem mudando. Saem de cena os hinos
tradicionais (muitos herança da reforma protestante do século XVI ou de
hinários consagrados dos séculos XVIII e XIX) para composições contemporâneas. Worships oriundos de igrejas como Vineyard ou do Hillsong são traduzidos ou emulados em produções adventistas
recentes. Tais cânticos são simples, poéticos, com uma letra que se repete com
variações de acompanhamentos musicais e volume de voz, tudo para aumentar o
grau de emoção envolvido no ato de adoração.
A mudança de paradigmas musicais traz novas posturas litúrgicas. A liturgia
tradicional é despojada de seu aparato rígido, tornando-se mais informal e
dando destaque à figura do ministro da música, substituto do antigo regente
congregacional. O adorador se envolve mais, participando com a voz e as mãos,
uma vez que é convidado (convocado?) a erguer as mãos, fazer gestos,
coreografias ou congêneres. O corpo agora recebe permissão para louvar, aumentando
o tônus de envolvimento e a sensação de bem-estar emocional decorrente.
Tanto em suas letras quanto em sua forma musical, há uma forte sensação
de “romance adolescente”, com predominância de expressões de amor,
relacionamento, dependência e forte choro. É inegável que a nova forma de
cantar em adoração é marcante, fixando suas melodias simples de forma bem
eficaz na mente do adorador. De certa forma, as canções contemporâneas não
apenas pavimentaram mudanças litúrgicas em geral, como transformaram a
pregação. Estamos diante de uma geração que não possui interesse, paciência e preparo
para ouvir sermões longos, centrados na Bíblia e que sejam fruto de cuidadosa
exegese. Sermões doutrinários, expositivos e com profundidade não “tocam” os
novos adoradores.
É preciso mensagens leves, com forte apelo emocional, que versem sobre
relacionamentos, usam de raciocínio simples, tenham espaço para muitas
histórias interconectadas e minimalistas. O pregador agora é um narrador, falando
na intimidade com o auditório, apresentando no máximo sermões temáticos
(explorando alguns poucos textos bíblicos sem se aprofundar em seu contexto)
ou, na pior das hipóteses, usando um texto central lido em algum momento do
discurso, mas ignorado em boa parte dele.
A conexão com a música notabiliza a desconexão com a Palavra, relegada à
segundo plano. Por isso o analfabetismo bíblico, fenômeno lamentado pelos
grandes pesadores cristãos, que vem essa praga correr o meio evangélico, começa
a atingir os adventistas. Seria leviano dizer que a música em si esvazia o
conteúdo bíblico da mente, em um abracadabra misterioso. Em verdade, a postura
de adoração orientada por um perfil carismático chegou a nós por meio do worship. Tal postura é que dispensa a
profundidade do estudo da Bíblia como fundamento da adoração, dando espaço a
experiências pessoais e legitimando o sentimento como meio de conexão com o
sagrado.
No início do processo, isso não parecia tão claro. Atualmente, quase no
fim dele, fica inegável o que está acontecendo. Apenas quem não quiser ver o
negará. Mas lendo o texto de Ellen G. White, no segundo volume de Mensagens
Escolhidas, fica fácil entender que a carismatização do adventismo está às
portas:
Mero ruído e
gritos não são sinal de santificação, ou da descida do Espírito Santo. Vossas
desenfreadas demonstrações só criam desagrado no espírito dos incrédulos.
Quanto menos houver de tais demonstrações, tanto melhor para os atores e para o
povo em geral. […]
Deus quer que
lidemos com sagrada verdade. Unicamente isto convencerá os contraditores.
Importa desenvolver trabalho calmo, sensato, para convencer almas de sua
condição, mostrar-lhes a edificação do caráter que deve ser levada avante, caso
haja de erguer-se uma bela estrutura para o Senhor. Mentes que são despertadas
precisam ser pacientemente instruídas caso compreendam corretamente e apreciem
devidamente as verdades da Palavra.
Deus chama Seu
povo a andar com sobriedade e santa coerência. Eles devem ser muito cuidadosos
de não representar mal e nem desonrar as santas doutrinas da verdade mediante
estranhas exibições, por confusão e tumulto. […]
As coisas que
descrevestes como ocorrendo em Indiana, o Senhor revelou-me que haviam de ocorrer imediatamente antes da
terminação da graça. Demonstrar-se-á tudo quanto é estranho. Haverá gritos
com tambores, música e dança. Os sentidos dos seres racionais ficarão tão
confundidos que não se pode confiar neles quanto a decisões retas. E isto será
chamado operação do Espírito Santo. […]
E melhor nunca
ter o culto do Senhor misturado com música do que usar instrumentos músicos
para fazer a obra que, foi-me apresentado em janeiro último, seria introduzida
em nossas reuniões campais. A verdade para este tempo não necessita nada dessa
espécie em sua obra de converter almas. Uma balbúrdia de barulho choca os
sentidos e perverte aquilo que, se devidamente dirigido, seria uma bênção. As
forças das instrumentalidades satânicas misturam-se com o alarido e barulho,
para ter um carnaval, e isto é chamado de operação do Espírito Santo. (p. 35-36,
grifos supridos)
Quem tiver entendimento, pesquise e se prepare. O tempo é chegado –
restam dúvidas?
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