A Face Humana do Apocalipse - parte 1
Dr. José Carlos Ramos
Novembro de 2013
O
maior livro profético da Bíblia, o Apocalipse, é declarado ser uma
“revelação de Jesus Cristo” dada por Deus para benefício de Sua Igreja
(Ap 1:1). Este título comporta dois sentidos fundamentais, um subjetivo, que aponta a Jesus como o autor da revelação, e outro objetivo,
que O torna o objeto da revelação. Isto significa que a revelação é
feita por Jesus e é acerca dEle e de Sua obra salvífica. O mesmo texto
faz referência ao instrumento humano usado por Jesus para que a
revelação se efetivasse e alcançasse o seu destino: “o seu servo João”.
Quem foi ele?
Bem, o Novo Testamento alude a pelo menos quatro pessoas que tiveram esse nome:
1. João Batista, que morreu antes da crucifixão de Jesus;
2. Um parente do sumo-sacerdote Anás, e inimigo do evangelho (At 4:6);
3. João Marcos (At 12:12), o autor do segundo Evangelho;
4. O apóstolo João, o discípulo amado e autor do quarto Evangelho.
Por
razões óbvias, nem o primeiro nem o segundo poderiam ter sido o
escritor do Apocalipse. Dificilmente sê-lo-ia o terceiro. O estilo e a
redação do último livro da Bíblia são bem diferentes dos do segundo
evangelho. Ninguém na Igreja primitiva associou o Apocalipse a Marcos.
As
evidências apontam para o apóstolo João como o escritor. A tradição
primitiva assim o reconhece, e todos os escritores cristãos até o 3°
século confirmam esse fato.
Também é crido que João passou os seus últimos anos em Éfeso. Irineu (130-202)
declara que na sua juventude vira o idoso Policarpo de Esmirna que
“conversou com muitos que tinham visto a Cristo”, entre eles João que
permaneceu em Éfeso até os dias de Trajano (98-117). O próprio Policarpo
teria sido um discípulo do apóstolo João.
Policrato (130-200),
bispo de Éfeso, também afirma que João, o discípulo amado que se
reclinou no peito do Senhor, “repousou em Éfeso.” Vale notar que, no
Apocalipse, o escritor se dirige à igreja desta localidade (Ap 1:4, 11).
Alguns
alegam a existência de outro João de influência na Igreja ao fim do 1°
século, fundamentados no seguinte testemunho de Papias:
“E
não hesitarei anexar às interpretações tudo quanto aprendi bem dos
presbíteros... Se, então, em qualquer tempo vinha alguém que seguira os
presbíteros, eu inquiria acerca das palavras dos presbíteros, o que
André, ou Pedro, ou Filipe, ou Tomé, ou Tiago, ou João, ou Mateus, ou
qualquer outro dos discípulos do Senhor, disseram, e o que Aristion e o
presbítero João, os discípulos do Senhor, dizem. Não suponho que a
informação dos livros me ajudasse tanto quanto a palavra duma voz viva e
sobrevivente.” (História Eclesiástica de Eusébio, III.39.3, 4).
Baseado
nesse texto, o historiador Eusébio concluiu que dois cristãos de
destaque, chamados João, viviam na Ásia no fim do 1° século, o apóstolo e
um presbítero, e que o último escrevera o Apocalipse, enquanto o
primeiro escrevera o Evangelho.
Todavia,
uma das formas de interpretar a declaração de Papias é ver nela a
presença de dois grupos de pessoas, com o nome João em cada grupo, mas
com a instância de haver apenas uma pessoa com esse nome, mencionada
duas vezes. As pessoas de ambos os grupos são chamadas de discípulos do
Senhor. As do 1º grupo disseram, isto é, haviam vivido antes de Papias e anunciado as palavras de Jesus. As do 2º grupo dizem,
isto é, viviam no tempo de Papias e anunciavam as palavras de Jesus.
Se, como se acredita, o apóstolo João alcançou o final do 1° século,
então Papias, que morreu em 163, foi seu contemporâneo, e pode tê-lo
ouvido de viva voz. Neste caso, o apóstolo é tanto o 1º João citado como
o 2º, com a diferença que, do corpo apostólico, ele era o único
sobrevivente. Quanto a Aristion, não há qualquer outra referência, no
Novo Testamento ou fora dele. Mas é significativo que, na declaração de
Papias, Aristion não é chamado de presbítero, e sim João, o mesmo título
aplicado aos apóstolos no 1º grupo. Não estaria Papias, então, se
referindo a um apóstolo, ao mencionar pela 2ª vez o nome João?
Alguns
pensam também que João não poderia ter escrito o Apocalipse no fim do
1° século por ter sido morto muito antes pelos judeus, a exemplo do que
aconteceu com o seu irmão Tiago (At 12:1, 2), o que teria cumprido a
previsão de Jesus a respeito deles (Mr 10:38, 39). Mas isto não quer
dizer que João haja morrido ao mesmo tempo de seu irmão. Vários anos
depois do martírio de Tiago, João é mencionado por Paulo como sendo um
dos baluartes da Igreja (Gl 1:9). Se por acaso ele também enfrentou o
martírio, o que é improvável, seria bem mais tarde, pois o próprio
Apocalipse dá a entender que no fim do 1° século os judeus ainda
perseguiam os cristãos.
A verdade, porém, é que não era necessário que João fosse martirizado para que as palavras de Jesus alcançassem cumprimento. O
Salvador poderia perfeitamente estar se referindo à senda de sofrimento
que os dois teriam pela frente, em contraposição ao pedido por grandeza
feito por eles. Há ainda a se considerar as palavras de Jesus em Jo
21:22, “quero que ele permaneça até que Eu venha”, que, em contraste com
o tipo de morte que Pedro enfrentaria (v. 19), podem significar que
João não enfrentaria o martírio.
Dionísio,
bispo de Alexandria falecido em 265, também afirmou que o escritor do
Apocalipse não poderia ter sido o apóstolo João, autor do quarto
Evangelho, em vista da diferença de linguagem
entre uma obra e outra. Muitas palavras empregadas com frequência por
João no Evangelho, são raras ou mesmo omitidas no Apocalipse. O uso de sinônimos igualmente reforça essa posição. Exemplo: a palavra grega para cordeiro no Evangelho é amnós, enquanto que no Apocalipse é arníon.
Devemos,
todavia, lembrar que a natureza do assunto pode ter levado o escritor a
empregar termos diferentes no Apocalipse face à necessidade de repetir
ou combinar as afirmações de antigos profetas, considerando que os
quadros do Antigo Testamento são predominantes no livro. As
circunstâncias sob as quais o Apocalipse foi produzido devem ser
igualmente levadas em conta. Foram bem menos favoráveis que aquelas sob
as quais o Evangelho emergiu. O Apocalipse foi escrito sob condições
adversas, na própria ilha de Patmos, palco das visões que proveram o seu
conteúdo. Havia ali uma colônia penal e para lá o apóstolo fora enviado
como prisioneiro. Vale lembrar também que, com respeito à composição do
Evangelho, a tradição primitiva indica ter tido João a assistência de
um secretário, o que também explicaria a diferença vocabular.
Assim,
a hipótese mais plausível aponta para o apóstolo João como o escritor
do Apocalipse. Em minha próxima postagem veremos que sua experiência
como seguidor de Cristo foi simplesmente maravilhosa. O exemplo que ele
nos legou demonstra como a graça de Deus pode operar uma grandiosa
transformação na vida daquele que a ela se rende.
Fonte - Clarim Profetico
Nenhum comentário:
Postar um comentário