A Face Humana do Apocalipse - conclusão
Dr. José Carlos Ramos
Dezembro de 2013
O
Apocalipse foi escrito por alguém que desde a juventude foi um ardoroso
seguidor de Jesus; seu nome era João, conhecido como o apóstolo do amor.
Os
dados biográficos de João, a exemplo de outras personalidades da igreja
primitiva, aparecem esparsamente no Novo Testamento. Mateus o menciona apenas 4
vezes, Marcos 10 e Lucas 7. O quarto evangelho, o seu, menciona-o como o
discípulo amado e como um dos filhos de Zebedeu.
Ele
era o mais jovem dos discípulos de Jesus. Alguns pensam que João não era muito
estimado pelos demais, em vista de seu ambicioso desejo de ocupar o primeiro
lugar no reino de Jesus. De fato, a cobiça, o amor à posição e à supremacia, e
a avidez por promoção pessoal (Mt 10:35-37, 41) eram graves defeitos no caráter
deste apóstolo. E não eram os únicos.
Jesus
o denominou, e a seu irmão Tiago, de “filhos do trovão”. Eram geniosos,
impetuosos, fáceis de ressentimento e propensos à vingança (Lc 9:49-54).
Por
trás destes graves defeitos, porém, Jesus discerniu em João um ardente, sincero
e amante coração. Embora muitas vezes repreendido pelo Mestre, apegava-se mais
firmemente a Jesus, até que sua alma se amalgamou à dEle. Era o “discípulo que
Jesus amava”, não porque Jesus não amasse os demais, mas porque mais
efetivamente deixou-se dominar por esse amor, a ponto de ter a vida totalmente
transformada. Em seu coração a chama da lealdade e devoção ardente tornaram-no
um dos mais destacados apóstolos na igreja cristã. Entre Jesus e ele desenvolveu-se
uma profunda amizade, mais intensa que em relação a outros discípulos.
João
abeberou-se tanto da Fonte, que alguns estudiosos e comentaristas de seu
Evangelho creem que sua linguagem e estilo correspondem à linguagem e estilo de
Jesus. Embora isso não seja provável, é indiscutível que João nos apresenta um
quadro profundamente original e distintamente genuíno de Jesus. Ele percebeu
que Cristo se encarnara para ser, unicamente Ele, uma perfeita revelação de
Deus, em vista do íntimo e pleno conhecimento que tinha do Pai.
Este
fato despertou no apóstolo o anseio de adquirir um conhecimento de Seu Salvador
tão íntimo e pleno quanto possível, e de se tornar assim uma autêntica
testemunha dEle. Ele conseguiu lograr este grandioso ideal através de sua vida
apostolar e de seus escritos. No último livro da Bíblia, por exemplo, ele nos
oferece uma revelação final e surpreendente de Jesus. De fato, ninguém foi
capacitado a exaltar melhor a Cristo que o apóstolo João, em que pese o fato de
terem os demais apóstolos amado também a Jesus, e anunciado com todo o fervor
as verdades concernentes a Ele.
Se podemos considerar como sendo ele um dos dois
discípulos de João Batista mencionados em João 1:35, teria ocorrido o seu
primeiro encontro com Jesus quando o precursor, apontando para Este, proferiu
pela segunda vez o clássico testemunho “eis o Cordeiro de Deus” (Jo 1:36). Tal
testemunho transformou-os em discípulos de Jesus. Mas é possível que o
conhecimento que João tinha de Jesus antecedesse esse momento, na base de seu
provável parentesco com o Salvador. Uma comparação entre Mateus 27:56, Marcos
15:40 e João 19:25 parece indicar que a mãe de João se chamava Salomé, e que era
irmã da mãe de Jesus. Este e João, portanto, eram primos. Esta linha de
parentesco, mais o fato de que ele era um dos íntimos discípulos, tornaram-no o
mais indicado para cuidar dela quando Jesus morresse, daí o Salvador dirigir-se
a ele como o novo filho de Sua mãe (Jo 19:26, 27). Outro íntimo de Jesus, e
também Seu primo, era Tiago, irmão de João. Mas sem dúvida Jesus sabia que não
muitos anos depois Tiago seria martirizado (At 12:2). João, realmente, era a
pessoa mais indicada para aquela nobre tarefa.
O
testemunho do Batista, entretanto, ensejou um encontro mais pessoal e decisivo
para que João se tornasse um seguidor de Jesus, inclusive de forma definitiva
quando, mais tarde, junto ao mar da Galiléia, foi convidado pelo Mestre para
que O seguisse (Mt 4:21, 22).
Cedo
João, a exemplo de Pedro e Tiago, tornou-se íntimo discípulo de Jesus. Ele
testemunhou a ressurreição da filha de Jairo (Mr 5:37), a transfiguração (Mt
17:1), e, mais de perto, a agonia do Getsêmani (Mt 26:37). Esteve “aconchegado”
a Jesus na hora da ceia, e reclinou a cabeça em Seu peito (Jo 13:23-25). Do
Getsêmani, acompanhou o Mestre até a sala do sumo sacerdote, de quem era
conhecido, e dali até o Calvário onde permaneceu até Jesus expirar e ser
retirado da cruz (18:15). Os episódios descritos ao pé da cruz (19:18-35) são
tão vívidos e reais que só uma testemunha ocular poderia assim narrá-los.
Na
manhã da ressurreição correu na companhia de Pedro, a ver o sepulcro vazio
(20:3-8). Em companhia dos demais, viu o Salvador ressurreto, inclusive logo
após voltarem à pescaria (21:7, 8). Nesta ocasião, após o diálogo de Jesus com
Pedro, concluído com a pergunta deste quanto ao destino de João, Jesus fez uma
declaração que, mal compreendida, levou os discípulos a imaginarem que João
permaneceria vivo até a segunda vinda (v. 23).
Lucas
registra a atuação de João na companhia de Pedro, na pregação do evangelho logo
após o Pentecostes (At 3:1-11), ao ser aprisionado sob as ordens do Sinédrio
(At 4), e na pregação em Samaria (8:14). Paulo afirma que ele era uma das colunas
da Igreja apostólica (Gl 2:9).
João
foi, entre os apóstolos, aquele que mais viveu, chegando à idade avançada.
Nesta época, por instigação dos judeus, foi aprisionado pelo imperador
Domiciano que ordenou fosse ele atirado a um caldeirão de azeite fervente.
Milagrosamente preservado por Deus, o imperador o deportou à ilha de Patmos
onde recebeu as visões do Apocalipse. Domiciano reinou entre 81 e 96. Segundo a
tradição, Nerva, sucessor de Domiciano, libertou-o, voltando para Éfeso onde
terminou seu ministério e seus dias. Como um dos lances finais de seu
ministério, João empenhou-se no combate às tendências gnósticas que
pressionavam a Igreja na Ásia Menor, sob a influência dos ensinos de um herege
chamado Cerinto. De fato, uma clara resistência a estes ensinos pode ser
sentida em seu Evangelho e epístolas. O Apocalipse se opõe a eles
indiretamente.
Afirma-se
que, estando João para morrer, perguntaram-lhe se tinha uma última mensagem a
dar. “Amai-vos uns aos outros”, disse, e expirou.
João
é um vívido exemplo do que graça de Deus pode fazer por um homem possuidor de
graves defeitos de caráter, mas que a ela se entrega sem reservas. A educadora
Ellen G. White afirma em seu magnífico comentário da vida de Jesus, o livro O Desejado de Todas as Nações, às
páginas 557 e 559:
Quando o
caráter do Ser divino lhe foi manifestado, João viu suas próprias deficiências,
e foi feito humilde pela revelação. Dia a dia, em contraste com seu próprio
espírito violento, ele observava a ternura e longanimidade de Jesus e ouvia-Lhe
as lições de humildade e paciência. Dia a dia seu coração era atraído para
Cristo, até que perdeu de vista o próprio eu no amor pelo Mestre. O poder e
ternura, a majestade e brandura, o vigor e a paciência que ele via na vida
diária do Filho de Deus, encheram-lhe a alma de admiração. Ele submeteu seu
temperamento ambicioso e vingativo ao modelador poder de Cristo, e o divino
amor operou nele a transformação do caráter...
Uma
transformação de caráter como a que se vê na vida de João é sempre o resultado
da comunhão com Cristo. Pode haver marcados defeitos na vida de um indivíduo,
contudo, quando ele se torna um verdadeiro discípulo de Cristo, o poder da
divina graça transforma-o e santifica-o. Contemplando como num espelho a glória
do Senhor, é transformado de glória em glória, até alcançar a semelhança
dAquele a quem adora.
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