No
início de janeiro, vi no Youtube um culto da “virada de ano”, em que
dançarinas vestidas de branco (como reza a tradição mundana do “reveillon”)
se contorciam ao som “do louvor”. Achei aquilo o fim da picada, pois
esse negocio de “adoração com dança” é totalmente despropositado. Não
tem nada a ver com louvor e adoração, embora tentem achar na Bíblia
defesa para isso.
Ainda me lembro
a primeira vez em que alguém tentou justificar “dançar para Deus”.
Conversando sobre louvor, alguém me disse ter lido um livro que dizia
que a adoração tem que transbordar, extravasar, da nossa vida. Não pode
ficar restrita ao “período de louvor” na igreja, mas fazer parte da
semana, como uma fonte de alegria. Até aí tudo bem. Mas quando ele disse
que esse “extravasar” é que é a fonte ou raiz da “adoração
extravagante”, me acendeu a luz amarela. Perguntei a ele se não estava
trocando um “s” por um “g”: adoração “extravasante”
era o que ele queria dizer, no sentido de extravasar e transbordar, e
não “extravagante”. Ele disse que era extravagante mesmo, que a gente
pode até ser chamado de louco ou esquisito, que o importante é adorar,
não importando onde, nem como. E me mostrou um “boletim da igreja”, onde
o pastor escrevera que à hora que se quisesse poderia dar um grito, ou
até mesmo “um tiro” em louvor e adoração. Achei melhor mudar de assunto.
Ponto, parágrafo.
Algum tempo depois,
outro irmão disse que na casa de Deus deve haver liberdade. Se
quisermos pular e dançar, que mal há nisso? Davi dançou, disse ele, e
Miriam também. Por isso a igreja tem que ter um “ministério de adoração
com danças”, justificou. Não falei nada, para não ser tachado de rebelde
ou de estar “fora da visão”. Sei como é isso; já fui chamado de
“tradicional” pelos “renovados” e de “pentecostal” pelos tradicionais...
mas vejo que essa “adoração extravagante” e “louvor com danças” vêm se
transformando em “vacas sagradas evangélicas”, que não admitem crítica,
como os “ungidos do Senhor”, o “dízimo de Abraão e o de Jacó” e os “atos proféticos” parte 1 e 2. Vamos ver do que vão me chamar agora.
O modelo de adoração
da Igreja neotestamentária não tem nada extravagante. O que aprendemos
nas epístolas sobre louvor e adoração está em Efésios 5:19, 20 (“falando
entre vós em salmos, hinos, e cânticos espirituais, cantando e
salmodiando ao Senhor no vosso coração, sempre dando graças por tudo a
Deus, o Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo”), e Colossenses 3:16 (“com salmos, hinos e cânticos espirituais, louvando a Deus com gratidão em vossos corações”).
A Igreja primitiva
usava em seu “período de louvor”, se é que existia, “salmos” - como se
sabe, passagens bíblicas com expressões de adoração e louvor a Deus,
como por exemplo, o que hoje numeramos como 19, ou o 147, ou mesmo o 23.
Alguns Salmos anunciavam Jesus, como o 2 e o 22. É provável que os
cristãos do primeiro século tenham percebido isso e até usado como tema
de pregação. Sabe-se também que os Salmos tinham melodia, embora não
saibamos se havia instrumentos no culto primitivo.
Hinos, havia muitos,
e há o relato de que Jesus e os discípulos, após a última ceia,
cantaram um deles (Mateus 26:30; Marcos 14;26), e Paulo e Silas, presos,
“cantavam hinos” (Atos 16:25). Com certeza não eram “músicas gospel da moda”. Duvido que essas tenham o poder de mudar alguma situação, ou chegar até o Trono, embora pretendam estar diante dele.
E os cânticos que Paulo cita em Efésios e Colossenses eram espirituais, o que, na minha opinião, exclui as manifestações físicas de coreografias, o “vira para o seu irmão e diz assim”, as “danças” e outras inovações modernas.
Por fim, o louvor sempre deve dar “graças por tudo a Deus, o Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo”. Não sei bem se é isso que acontece por aí.
Sobre danças,
é preciso dizer que nem Miriam nem Davi, citados como exemplos de
“dança para o Senhor”, nenhum dos dois estava no templo. Na época de
Miriam, não havia nem o Tabernáculo. A sua, digamos, “comemoração
espontânea”, foi ao ar livre, e embora em agradecimento ao milagre da
saída do Egito, foi um ato de natureza cívica, e não em um culto. Este,
enquanto manifestação religiosa, era dirigido por Aarão e pelos levitas,
em outras circunstâncias.
Na cultura oriental a dança era manifestação popular, geralmente liderada pelas mulheres. Foi o caso de Miriam (Êxodo 15:20), da filha de Jefté (Juízes 11:34), das mulheres de Judá (I Samuel 18:6). Ao que parece, o povo saía em passeata dançando em roda (Juízes 21:21 e 23).
Até hoje manifestações e celebrações judaicas envolvem danças, mas não
são bíblicas - são culturais - e não são para o culto cristão.
E Davi,
ao saltar pelas ruas, obteve resultados muito mais negativos do que
positivos, e também foi fora do ambiente do culto, quando do transporte
da Arca para Jerusalém, no início do seu reinado.
Davi cismou
que, além de rei, também era sacerdote. Esqueceu-se (ou talvez não
soubesse) da lambança de Saul, que não esperou por Samuel e ofereceu
sacrifícios a Deus, sendo duramente repreendido pelo profeta (I Samuel 13).
Davi fez uma gambiarra: não seguiu a determinação divina (transportar a
Arca por meio de sacerdotes a pé). Ele “inovou” e a pôs sobre uma
carroça, como os filisteus. Fica aqui uma advertência aos “líderes” e
“levitas” que buscam inspiração na modernidade, nos “costumes dos
filisteus”, e não na Bíblia. Aos que buscam métodos mais eficazes e
produtivos, mesmo que sejam de origem pagã.
O resultado foi a morte de Uzá.
Davi temeu, e largou a arca lá em Obede-Edom mesmo... Mas como
Obede-Edom foi abençoado, ele viu que era bom negócio tê-la por perto, e
mandou o pessoal ir buscá-la. E ainda aprontou outra: querendo dar uma
de levita, vestiu parte da roupa que a tribo sacerdotal usava nas cerimônias religiosas – “cingido dum éfode de linho” (II Samuel 6:14). Mas errou feio: Deus mandava que o sacerdote (coisa que Davi não era) usasse “túnicas”, “tiaras” e “calções de linho, para cobrirem a carne nua; estender-se-ão desde os lombos até as coxas” (Êxodo 28:4 e 42). Davi ignorou isso, e como “dançava com todas as suas forças diante do Senhor” (I Samuel 6:14 )... sem o traje completo que Deus ordenara... o resultado você pode imaginar.
“Mical,
filha de Saul, estava olhando pela janela; e, vendo ao rei Davi
saltando e dançando diante do Senhor, o desprezou no seu coração”
(6:16). Muitos dizem que Mical era da igreja “tradicional”, por não
aceitar o “louvor extravagante” e “danças”, e que foi bem-feito ela
ficar estéril “como castigo”, pois desprezou Davi. Eu também não
entendia porque ela havia desprezado Davi; afinal, Davi estava alegre, o
povo estava alegre, o quê que tem dançar?
Mas a razão do desprezo de Mical vem logo a seguir. Mical desprezou Davi porque a conduta, a postura dele, não era louvável, era indigna de um rei, “descobrindo-se hoje aos olhos das servas de seus servos, como sem pejo [isto é, sem vergonha] se descobre um indivíduo qualquer”
(6:20). Quer dizer, sem usar os calções (cueca ou ceroulas) que Deus
mandava o sacerdote usar... Davi usava o manto, sem nada por baixo!
Mical, obviamente reprovou isso, e com certeza Deus também, pois o que
Davi fizera era o mesmo que Uzá: desrespeitou a santa lei dada a Moisés
com respeito ao culto, conf. Êxodo 28:43: “isto será estatuto perpétuo para ele [Aarão] e para a sua descendência depois dele”. Davi não era levita, nem sacerdote, nem descendente de Aarão, e não tinha nada que inventar ali.
Em Sua soberania,
Deus puniu Uzá e poupou Davi, mas isso não nos autoriza a ir além da
Palavra. Apesar disso, Davi disse que não estava nem aí, que ia dançar
mesmo, pronto e acabou (vs. 21, 22); mas assim como o dízimo de Abraão e o de Jacó, não se tem notícias de repetição do fato. Talvez o rei tenha aprendido a lição, como no caso do censo (II Samuel 24). Só porque Davi era Davi não quer dizer que Deus aprovava tudo que ele fazia.
Outro dia um sujeito deixou um comentário na postagem sobre a Pamela, dizendo que “Deus criou o funk, a timbalada e outros ritmos”,
e que nós não podemos criticar esse ou aquele estilo. Não publiquei o
comentário, por estar anônimo, e anônimo eu não publico mesmo. Deus deu
dons aos homens, como a capacidade de produzir arte e se expressar. Mas
nem toda forma de arte é apropriada à adoração. Por exemplo, a
escultura. Pode ser usada, e foi, na decoração do templo e na própria
Arca da Aliança, mas como objeto de adoração e culto é terminantemente
proibida, que me perdoem, mais uma vez, os católicos. Certas formas
musicais, por apelarem mais ao corpo que ao espírito, também são
indevidas (vou falar disto em outro artigo, este já está comprido
demais). E a dança também, não se aplica ao culto. É uma forma de arte
não apropriada ao ambiente. Jesus disse que deveríamos adorar em
espírito e em verdade: alguém aí por acaso é capaz de dançar em
espírito? Há, portanto, que se separar dança, coreografias, teatro,
performances musicais, que podem ser úteis para evangelização e
pregação, do louvor e adoração, onde nem tudo que parece bom e
“artístico” pode ser admitido. Insistir nisso é se nivelar com os
católicos, que afirmam que suas imagens não são para adoração, só para
veneração... me ajuda aí.
Apesar de alguns pastores forçarem a barra (talvez
por suas esposas e filhas fazerem parte de tais “ministérios”), não
existe isso no Novo nem no Velho Testamento, quando foram organizados o
culto no Tabernáculo e mais tarde no Templo de Jerusalém. Davi
estabeleceu turnos de músicos, cantores e outros serviços, mas nunca se
ouviu falar de “dançarinos”.
A dança de Davi foi um evento isolado e individual.
Não foi feita por um grupo que ensaiava para se apresentar regularmente
no Templo. Não existiam levitas que se dedicavam ao ministério da dança
litúrgica. Muito menos nos cultos da Nova Aliança! Davi cairia de
costas se visse o que se inventou com base naquele dia em que ele saltou
de alegria diante da Arca.
Toda a nossa vida deve ser um culto a Deus (I Coríntios 10:31).
Mas nem tudo que cabe na minha vida diária como culto a Deus caberia no
culto público. Posso plantar bananeira ou chorar com a cara no chão
“para a glória de Deus” no meu quarto, mas não se justifica isto no
culto público. Cabia perfeitamente a Davi dançar de alegria naquele dia,
na procissão de vitória, nas ruas de Jerusalém (desde que usando ceroulas). Todavia, não o vemos fazendo isto no templo,
durante os cultos estabelecidos por Deus (mesmo usando ceroulas). Davi
dançou nas ruas de Jerusalém, algo espontâneo e do momento. Ele não
marcou um culto para dançar de alegria perante o Senhor, simplesmente
porque não havia danças que fizessem parte do culto. Os apóstolos e os
primeiros cristãos entenderam desta forma, pois não há danças no Novo
Testamento.
Não existe isso
de “danças no culto” como forma de adoração, doa a quem doer, muito
menos “adoração extravagante” e, ainda por cima “dança profética” – de
fato, um desdobramento óbvio da “dança no culto” + “adoração profética”,
mas uma aberração tão bizarra e extra-bíblica que nem vou comentar
mais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário