Fonte - http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/cristiane-segatto/noticia/2013
Os novos números da doença demonstram que
comer bem não é mais uma questão de estilo de vida. É uma questão de
qualidade e anos de vida
CRISTIANE SEGATTO
29/11/2013 16h08
- Atualizado em
29/11/2013 18h49
Uma vez uma leitora aqui da coluna me escreveu para falar da tristeza
que sentia em relação à alimentação dos sobrinhos, um menino e uma
menina na faixa dos 10 anos. A leitora se mudou de Goiânia para os
Estados Unidos para cuidar das crianças, nascidas lá, enquanto a irmã
dela completava os estudos numa universidade.
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A tia cozinhava para os garotos com entusiasmo, mas nada os agradava. A
desilusão foi maior quando ela percebeu que o problema não eram as
receitas brasileiras e sim um conceito cristalizado. As crianças se
recusavam a comer qualquer coisa que saísse de uma panela. Não comiam
nada que não saísse pronto de uma embalagem.
Batatas, lasanha, hambúrgueres... Tudo congelado e encaixotado.
Nuggets, pipoca de micro-ondas, refrigerantes, sucos (só de caixinha, é
claro) eram muito bem-vindos. Qualquer ingrediente fresco era excluído
sem negociação.
As crianças recusavam a comida feita em casa com o argumento de que era
“old-fashioned”, fora de moda. A moda, o estilo de vida, o
comportamento de massa são poderosos. Podem ditar as condições de saúde
de populações inteiras.
Nem toda moda faz mal. Algumas são do bem. A mais nova onda entre os
jovens profissionais da classe média é levar marmita para o trabalho. Em
São Paulo, surgiu até
loja especializada em “marmitas fashion”.
São umas belezinhas super práticas. Servem para transportar as
refeições principais ou pequenos lanches saudáveis que são consumidos ao
longo do dia. É uma boa ideia. Espero que a moda pegue e se popularize.
O importante não é a beleza da marmita, mas o que vai dentro dela e
correta conservação dos alimentos.
Precisamos voltar a comer comida de verdade. Arroz, feijão, salada,
bife e todas as espetaculares combinações que a natureza brasileira nos
deu. Produtos da terra, acessíveis à maioria da população. Comida feita
em casa, sempre que possível.
>> O que Xuxa e Ivete viram no Hospital de Barretos
Há cada vez menos tempo para cozinhar? É verdade, mas buscar uma
alternativa não é mais uma questão de estilo de vida. É uma questão de
qualidade e anos de vida. Quem nos obriga a comer a comida de péssima
qualidade servida nos refeitórios das empresas e nas praças de
alimentação? Ninguém.
Muita gente tem condições financeiras de consultar um nutricionista e
aprender a comer melhor. Quase sempre, pequenas modificações de hábito
fazem uma tremenda diferença. Ninguém precisa trocar de emprego para
conseguir comer melhor, embora, às vezes, isso possa ser uma boa ideia.
Há excelentes recursos gratuitos para quem deseja se alimentar bem, como o site e os aplicativos do programa
Meu Prato Saudável, criados pelo Instituto do Coração (InCor), em São Paulo.
Há muita coisa boa na cultura americana, mas importamos o que havia de
pior: a comida industrializada e a inatividade física. O estrago foi
grande, como as estatísticas da saúde brasileira demonstram
sucessivamente.
“A vida melhorou, mas a saúde piorou”. Ouvi essa frase há uns bons
meses, mas ela continua grudada na minha memória como chiclete em
carteira escolar. Vai ser difícil esquecer a frase e a geladeira aberta.
Num sobradinho modesto na zona norte de São Paulo, a dona de casa
Raimunda Ferreira Lima, 72 anos, falava sobre a ascensão social da
família. A renda aumentou nas últimas três gerações. O acesso a bens
tornou-se muito mais fácil. A filha foi criada com conforto. A neta
ainda mais.
Essa é só parte da história. Há o lado B. “Aos 9 anos, não era gorda
como minha neta nem tinha os problemas que ela já tem”, disse Raimunda.
Em 1940, quando a avó nasceu, a desnutrição infantil era uma das maiores
preocupações de saúde no Brasil.
Da infância em Salvador à velhice em São Paulo, a trajetória de
Raimunda e das duas gerações que vieram depois é um retrato da
complicada transição nutricional vivida pelo país. Em menos de um
século, o Brasil substituiu algo muito ruim (a desnutrição) por algo
ainda pior (a obesidade).
Avó, mãe e neta estão obesas. A geladeira e os armários me
impressionaram. Mortadela, capelete, 5 quilos de linguiça, salsicha,
três dúzias de ovos, picanha, lasanha, queijo coalho. Batata frita
congelada, uma dezena de latas de molho de tomate, bolo de caixinha,
pipoca de micro-ondas, biscoitos recheados, salgadinhos. Um engradado de
uma marca de refrigerante que faz a dona da casa, diabética, acreditar
que consome apenas água com sabor. Nem sinal de verduras e legumes.
Quatro maçãs e duas peras eram os únicos vegetais da cozinha.
A história dessa família diz muito sobre o Brasil. Por isso, r
esolvi contá-la numa reportagem recente. Ela escancara, especialmente, a tragédia da saúde da mulher brasileira.
Estamos nos tratando muito mal.
Uma pesquisa divulgada hoje (29) pelo IBGE
revela que a mortalidade por câncer de mama entre as brasileiras de 30 a
69 anos aumentou 16,7% nos últimos 20 anos. Em 1990, ocorreram 17,4
óbitos a cada 100 mil mulheres. Em 2010, o índice passou para 20,4 a
cada 100 mil.
Na quarta-feira (27),
o Instituto Nacional do Câncer divulgou a estimativa de novos casos de câncer
para 2014. Segundo a previsão, 57 mil mulheres terão tumores de mama no
ano que vem. Em 2012, a estimativa era de 52 mil casos novos.
A obesidade provoca alterações hormonais que contribuem para o
surgimento de vários tipos de tumor – os de mama, inclusive. O câncer de
mama pode ser curado em mais de 90% dos casos, mas o sucesso do
tratamento depende do diagnóstico precoce.
É aí que o bicho pega. No SUS, a dificuldade de acesso à primeira
consulta médica e os meses de fila até chegar a um centro de tratamento
de câncer são escandalosos. Na saúde privada, a demora no agendamento de
consultas e exames é uma reclamação recorrente.
Se no Brasil o sistema de saúde (público e privado) é precário, as
mulheres só tem uma saída: não adoecer. Ao longo da vida, as mulheres
assumem mais responsabilidades do que podem suportar.
Cuidam dos irmãos, dos filhos, dos maridos, dos pais, dos amigos, do
cachorro, do trabalho, dos estudos, da casa, da beleza, do carro, da
comunidade real e virtual. Fazem tudo isso com a expectativa de atingir a
perfeição em todos os compartimentos da vida. É um erro. E pode ser
fatal.
Se não colocarmos a nossa própria saúde acima de todas as outras
prioridades, não poderemos cuidar de ninguém. Há muitas formas de se
cuidar melhor, mas uma das mais importantes é comer bem.
Depois do câncer de mama, o tipo de tumor mais prevalente entre as
mulheres em 2014 será o de intestino ou reto (também chamado de câncer
colorretal). É a primeira vez que isso acontece.
O lado bom da notícia: melhorou o acesso a exames papanicolau e, por
isso, o câncer de colo do útero será menos frequente. Cairá da segunda
para a terceira posição entre os tumores mais comuns em mulheres. É bom
saber que a situação melhorou, mas oferecer papanicolau é uma medida de
saúde pública tão básica que não dá nem para comemorar o feito. É como
festejar a ampliação de acesso a água e esgoto tratados nas grandes
cidades.
Teremos, finalmente, menos casos de câncer do colo do útero. É um
fenômeno importante. Por outro lado, os casos de câncer de intestino
estão realmente se tornando mais frequentes, a exemplo do que acontece
nos Estados Unidos.
“O Brasil está ficando com um perfil de saúde parecido com o dos países
desenvolvidos”, diz Samuel Aguiar Junior, cirurgião oncologista e
diretor do Núcleo de Tumores Colorretais do AC Camargo Cancer Center, em
São Paulo.
“O aumento do câncer colorretal está associado a hábitos de vida de
países industrializados. Muita carne vermelha, embutidos, sedentarismo e
obesidade”, diz Aguiar.
O câncer de intestino é um problema em todas as classes sociais. A
idade é o primeiro fator de risco. Por isso, o Ministério da Saúde
discute se deve ou não oferecer a toda a população acima de 50 anos um
exame que detecta sangue nas fezes.
Do total de pessoas sem sintomas de câncer de intestino que fazem esse
exame, cerca de 10% precisarão fazer uma colonoscopia, um exame mais
preciso e caro que detecta a doença ou permite eliminar pequenos pólipos
antes que eles se transformem em câncer.
No estágio inicial, o câncer de intestino é curável em mais de 95%,
graças ao surgimento de novas drogas e ao aprimoramento das técnicas
cirúrgicas. Nas fases avançadas, menos de 20% dos pacientes sobrevivem.
O problema é o de sempre: passar pelo funil da assistência. Ou seja:
conseguir diagnóstico e tratamento adequado num prazo compatível com a
manutenção da vida.
Ainda não inventaram um seguro-saúde melhor que a prevenção. Algumas dicas para ficar longe do câncer de intestino:
- Cuidado com o excesso de carne vermelha. Consuma um bife pequeno (do tamanho da palma da mão) de duas a três vezes por semana.
- Consuma grande variedade de frutas e legumes
- Consuma leite, iogurte, queijo (com pouca gordura) e outras fontes de cálcio
- Evite o excesso de calorias. Elas engordam e produzem um
desequilíbrio metabólico. A hipótese mais aceita é a de que níveis
elevados de insulina provocam danos celulares que podem levar ao câncer
- Modere o consumo de embutidos e defumados em geral (salame, peito de
peru, presunto etc). Eles contêm nitritos que, em excesso, causam danos à
mucosa do intestino
- Evite bebidas alcoólicas
- Não fume
- Faça atividade física na maioria dos dias da semana
Precisamos adquirir um novo senso de urgência. Em primeiro lugar, cuide-se bem!