Luis A R Branco
Lembro-me da
primeira vez, quando ainda era bem jovem, e fui assistir a uma preleção
do Morris Cerullo, ele era na época ainda pouco conhecido no Brasil.
Logo no início achei meio estranho o início da reunião com um certo
suspense para se criar aquele “ar profético”. Quando o homem finalmente
assumiu a palavra a plateia parecia ser de um grupo de devotos ao pé das
imagens em Aparecida, Fátima ou Lourdes, que os evangélicos gostam
tanto de recriminar. A veneração e idolatria era visível e repugnante. O
pior aconteceu quando o homem começou a falar: “Peguem suas Bíblias,
coloquem debaixo dos seus assentos, porque hoje tenho uma nova revelação
para vocês.” Lembro-me bem desta frase, pois foi a que me fez levantar e
abandonar aquele ambiente.
Saí dali
indignado, pois fui criado numa igreja bíblica e não podia conceber a
ideia da possibilidade de uma nova revelação que excluísse a Escritura
Sagrada e que nela não buscasse seu respaldo. No entanto, esta é a
realidade destes grupos que só conseguem o seu protagonismo com a
Escritura Sagrada fechada, com uma hermenêutica deturpada ou com a
utilização isolada e indevida de textos da Bíblia.
Antes de
continuar, vamos esclarecer algumas coisas muito importantes no que diz
respeito à Escritura Sagrada: 1. Não existe nenhuma revelação ou
autoridade que se sobreponha a revelação e autoridade da Bíblia. O
apóstolo Paulo ao instruir os Gálatas lhes falou com firmeza: “Mas,
ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá
além do que vos temos pregado, seja anátema.” (Gl 1:6). 2. Não existe
várias interpretações do texto bíblico. O fiel estudante da Escritura
Sagrada buscará descobrir através dos vários mecanismos de interpretação
bíblica qual era a intenção original do autor humano ao escrever aquela
passagem, portanto, o significado real do texto não pode ser diferente
daquele do autor original. O que pode haver diferente, e fica a critério
de cada expositor bíblico, é a aplicação daquela passagem para os
ouvintes ou leitores contemporâneos, no entanto, esta aplicação deverá
seguir em linha com a interpretação, isto é, com o sentido original do
autor do texto.
No entanto e
infelizmente, vivemos numa época em que há pessoas demais sem preparação
teológica, ou muito mal preparados nos púlpitos das igreja e por isto
vemos tantas aberrações teológicas e práticas estranhas no meio
evangélico. E estas coisas são ensinadas geralmente com um "ar
espiritual", que tiram o foco do ouvinte da Escritura e coloca no
pregador, que passa uma falsa imagem de “ungido do Senhor, com direito a
dizer qualquer bobagem.”
O Salmo 29 é um
salmo que fala da voz do Senhor, isto é, sua Palavra. Este Salmo nos
ensina coisas importantes: O texto começa com um maravilhoso convite:
“Dai ao SENHOR, ó filhos dos poderosos, dai ao SENHOR glória e força”
(v.1). Davi através deste salmo demonstra a grandeza de Deus e a sua
grande força sobre tudo e sobre todos. O objectivo deste salmo é
despertar o temor de Deus no coração do homem. O salmista não apenas
fala da grandeza e da força do SENHOR, mas também da sua santidade: “Dai
ao SENHOR a glória devida ao seu nome, adorai o SENHOR na beleza da
santidade” (v.2).
Vivemos numa
época em que se fala uma vez ou outra da grandeza de Deus, pois vivemos
tão profundamente centrados em nós mesmos que quando se fala da grandeza
de SENHOR, do seu poder e da sua força, parece algo abstracto e
distante. No máximo, se algum desejo despertar no coração do homem
moderno por estas coisas, é na intenção de saber o que este poder e esta
força podem fazer por ele, para o ajudar a alcançar algum objectivo
pessoal.
O salmista tenta
elevar os olhos dos seus leitores para algo além de si mesmos, para uma
beleza maravilhosa que é a santidade do SENHOR. Deus é santo! “Exaltai
ao SENHOR nosso Deus e adorai-o no seu monte santo, pois o SENHOR nosso
Deus é santo” (Salmos 99:9). Muitos possuem uma visão equivocada deste
Deus santo, pensam que isto significa que ele é “um Deus distante”. Deus
está perto daqueles que são seus, e sua presença santa faz com que o
nosso ser se transforme, mas se isto não acontece, o pecado nos afasta
da presença do SENHOR. Veja o que disse o profeta: “Mas as vossas
iniqüidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos
pecados encobrem o seu rosto de vós, para que não vos ouça” (Is 59:2).
Talvez alguém
diga: “Vivemos na graça, não precisamos nos preocupar com estas coisas,
Deus nos entende e não há mal algum na forma como vivo a minha vida.”
Este é um pensamento enganoso, a graça não anulou nem diminuiu a
santidade de Deus e a nossa necessidade de temer ao seu nome. Inclusive
devemos nos lembrar que nestes dias, a Terceira Pessoa da Santíssima
Trindade, o Espírito Santo de Deus veio fazer no cristão a sua morada.
“Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que
habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?” (1 Co
6:19).
O texto chama a
santidade de Deus de bela ou beleza da santidade (v.2). No entanto,
enquanto o homem viver na prática do pecado não saberá descrever a
beleza da santidade do SENHOR. O salmista então nos deixa perceber
alguns detalhes da beleza da santidade de Deus que é manifestada na sua
voz, ou seja, na sua palavra.
O texto fala da “voz do SENHOR”, termo que aparece sete vezes neste capítulo.
A voz do SENHOR ouve-se sobre as suas águas...
Salmos 29:3
A voz do SENHOR é poderosa...
Salmos 29:4
A voz do SENHOR é cheia de majestade...
Salmos 29:4
A voz do SENHOR quebra os cedros...
Salmos 29:5
A voz do SENHOR separa as labaredas do fogo...
Salmos 29:7
A voz do SENHOR faz tremer o deserto...
Salmos 29:8
A voz do SENHOR faz parir as cervas...
Salmos 29:9
A voz do SENHOR
faz todas estas coisas, pois foi a sua voz, a sua palavra, que trouxe
todas estas coisas a existência. A frase: “E disse Deus”, aparece nove
vezes no primeiro capítulo da Bíblia. Não sei se percebe isto, mas a
palavra de Deus, a voz da sua boca, trouxe a existência tudo o que
alguma vez já existiu em todo o Universo.
E talvez alguém
diga: “Muito bem, mas a voz de Deus já cessou!” A ideia de um Deus
calado é heresia. Como bem disse o pregador Luterano, Paul Scherer:
“Deus não deixou de falar quando o seu livro foi para a gráfica!” Isto
é, Deus continua falando com o seu povo. Lutero também disse: “É o
próprio Deus quem está falando, quando alguém usa a sua palavra para o
confortar; e se isto, é a palavra de Deus, então é Deus quem está agindo
aqui, portanto, lembre-se que é o próprio Deus quem fala.” Calvino, por
sua vez, dizia que a pregação da palavra de Deus era um sinal infalível
de que Ele está perto de nós e que pela proclamação da sua palavra
busca a nossa salvação, e nos chama para si mesmo em alto e bom som, e
pela sua palavra nós o vemos com os olhos da fé. Agostinho escreveu:
“Notem meus irmãos e irmãs, Deus nunca se cansa de falar conosco. Se ele
já não fala conosco, o que temos feito? Qual o sentido das leituras do
livro sagrado? Mas ele continua a falar conosco, portanto, esqueçam o
que para trás fica, e avancem para o que está a sua frente.”
A voz de Deus
continua majestosa e ainda faz tremer não apenas o deserto, mas
principalmente aquele que teme ao SENHOR. O Concílio Sacrosanctum disse o
seguinte: “Cristo está presente na sua palavra, uma vez que é Ele mesmo
quem fala quando a palavra de Deus é lida na igreja.” E Karl Barth
explica melhor este ponto quando diz: “A Escritura é lugar onde Deus
encontra-se com o seu povo.”
A Bíblia é muito
mais que um mero livro, é muito mais que papel e tinta, é a palavra de
Deus. Este livro é muito mais poderoso que a voz do mais importante
general dos nossos dias. Este livro é a palavra do Deus eterno, que
nunca passa, que triunfa sempre, e foi com esta palavra que Jesus venceu
a Satanás no deserto, e com esta palavra também venceremos.
A Bíblia não é um
ajuntamento de palavras, uma colectânea de histórias e um apanhado de
poesias para lhe fazer sentir bem. Este livro também não é um manual de
boa conduta, do que se deve ou não fazer. Você precisa entender que
quando este livro é lido e pregado, o crente não tem um encontro com
meras palavras, mas um encontro com o próprio Deus, que é vivo e que é
santo.
Qual será a tua
resposta ao Deus que te fala através da sua palavra? Qual será a sua
resposta a santidade de Deus? Qual será a sua resposta a presença deste
Deus que fala contigo nesta hora em que você lê este artigo, desejoso de
salvar a sua vida, de mudá-lo completamente, de rescrever a tua
história como a de alguém que teme ao seu nome?
Se os pregadores
do evangelho soubessem o poder da Palavra de Deus, deixariam de lado
seus sofismas, suas ideias, suas interpretações erróneas e se renderiam
ao crivo da Escritura, permitindo que ela diga, o que de facto ela quer
dizer, e que ela faça o que precisa ser feito de forma muitas vezes
secreta e silenciosa no coração dos ouvintes. Que possamos dizer como
Lutero: “Fiz uma aliança com Deus: que Ele não me mande visões, nem
sonhos, nem mesmo anjos. Estou satisfeito com o dom das Escrituras
Sagradas, que me dão instrução abundante e tudo o que preciso conhecer
tanto para esta vida quanto para o que há de vir.”
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