Gostei dos Argumentos de Alfredo Sirkis, sobre o PLC 122. O tal projeto é pior que imaginávamos, não tanto pela ameaça de tolher a liberdade das igrejas e evangélicos, como se prega por aí, mais pelas bobagens que nele, PL 122, estão contidos. Bobagens estas, que se forem votadas, dará muita dor de cabeça a muita gente.
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Eventuais armadilhas na criminalização da homofobia
Por Alfredo Sirkis
No blog
anterior critiquei a leniência brasileira com a criminalidade violenta
que permite a maiores autores de crimes bárbaros, como foi o assassinato
do jornalista Tim Lopes, sair em 4 anos, por “progressão de pena”. Vou
agora analisar o PLC 122, apresentado como uma arma contra a homofobia.
O
substituitivo ao PLC 122 agrava as penas de crimes violentos quando
motivados por ódio, inclusive, homofobia –o que me parece correto, e
apoiarei-- mas, por outro lado, pune com pena de prisão fechada
diversos delitos sem violência: palavras e atitudes de discriminação
alguns de tipificação muito difícil ou complexa na vida real.
Vamos lá:
“Pena – prisão de dois a sete anos, se o fato não se constitui em crime mais grave.”
A pena ali se aplica a atos de tipificação complexa como:
“I – ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem;”
Pergunta:
como se caracteriza exatamente “ofender a saúde” ou até a “integridade
corporal”. Um olhar de desprezo pode ofender a nossa saúde?
Quanto à
"integridade corporal", no nosso ordenamento legal a agressão com lesão
corporal é definida de forma objetiva num exame de corpo delito.
Nesse caso
como exatamente provar uma “ofensa”? Isso pode dar margem uma litigância
de má fé em larga escala mas, também, o que é mais provável, tornar
perfeitamente inaplicável essa disposição obtusamente redigida .
Mais adiante:
“II – ofender a honra das coletividades previstas no capute”
É razoável
punir com penas de prisão de dois a sete anos algo que claramente
configura um delito de opinião/expressão? Existe algo mais subjetivo do
que uma suposta ofensa “à honra”?
A prisão por “ofensa” é algo inconcebível em democracia.
Notem que
ela se aplica ao preconceituoso Juquinha que ofende a honra da
comunidade gay ao insulta-los como: “uma cambada de boiolas” mas também a
Mariazinha que, tendo em mente o pastor Feliciano, “ofende a honra”
dos evangélicos quando os qualifica como “uma cambada de crentes
idiotas e fanáticos”.
O projeto
aqui criminaliza esse tipo de invectiva genérica, não personalizada,
pois extensiva a “coletividades”. Em português claro: xingar um grupo de
pessoas vira crime passível de prisão!
De todas as
disposições equivocadas desse texto --supostamente expurgado delas,
imaginem o original!-- essa é, na minha opinião, a mais grave.
Dirão: não
era bem isso que o legislador tinha em mente. Saibam que o que o
legislador tem em mente não conta mais depois que o projeto vira Lei.
Contará o que o advogado mais esperto, o promotor mais implacável ou o
juiz mais mal humorado terão em mente em milhões de situações futuras
imprevisíveis...
Não menos complicado é:
“I –
impedir ou obstar o acesso de pessoa, devidamente habilitada, a cargo ou
emprego público, ou obstar sua promoção funcional;”
Imaginemos:
Maria, uma gestora pública, na nomeação para um cargo comissionado de
livre provimento ou numa promoção, preteriu um pretendente homossexual
–notem bem: a disposição menciona explicitamente “cargo” de forma
separada de “emprego público”, esse último, naturalmente, dependente de
concurso público.
Pois ela,
presidente do órgão público em questão, preteriu José, que é gay,
porque achou João mais competente ou apropriado para aquele cobiçado DAS
5. Inconformado, José aciona Maria na justiça por “obstar seu acesso”
àquele “cargo” alegando que ela o fez pelo fato dele ser gay. Maria,
em tese, fica exposta a pena de prisão!!!
Provavelmente
não terminará presa, mas sua vida, nos próximos anos, vai virar um
inferno porque José, implacável, contratou o Dr. Vivaldino Rábula
--advogado cheio das manhas e truques, muito bem relacionado com juízes,
MP, etc...-- que sabe batalhar uma litigância dessas como ninguém.
Maria está em maus lençóis...
Mas tem lá aquele outro carguinho, um DAS 7, se Maria for “razoável”, fica tudo resolvido...
Outra pérola do PLC 122:
“Art. 4º
Aumenta-se a pena dos crimes previstos nesta lei de um sexto a metade se
a ofensa foi também motivada por raça, cor, etnia, procedência nacional
e religião, indicativos de ódio ou intolerância.”
Aqui, vamos
imaginar a seguinte situação: partida Flamengo x Boca Juniors no novo
Maracanã. A Raça Rubronegra, com sua habitual graça e delicadeza,
resolve ofender o time argentino, sobretudo aquele craque mais
perigoso, gritando: “maricón, maricón!”.
Alguns milhares de torcedores acabam de se expor a uma pena de dois a sete anos...
Mas fica
ainda pior: noutro momento, diante de uma falta digna de cartão
vermelho, mas impune, aí minha torcida passa a delinquir agravadamente
contra a “procedência nacional” do jogador e passando a bradar:
“argentino maricón!”.
Dessa forma, pelo projeto, ela se vê sua potencial prisão agravada de “um sexto da pena”.
E, na sequencia, a torcida reincide atribuindo certa orientação sexual ao árbitro da partida, em termos singularmente chulos...
Fosse isso
uma Lei aplicada a sério estaríamos diante do perigo de um gigantesco
incremento na população carcerária no país... Iríamos ter que usar os
próprios estádios como presídios, gênero Santiago do Chile, 1973.
Semana
passada discuti nesse blog se, em última análise, pessoas que mataram
aos 17 anos poderiam ou não voltar rapidamente às ruas. Nesse caso aqui
não há essa dúvida. A prisão é o único destino dos delitos previstos n
PLC 122 já que:
“Art. 5º Em nenhuma hipótese as penas previstas nesta lei serão substituídas por prestações pecuniárias.”
Ou seja, não
dá para aplicar nem sequer multas pesadas, o que seria a punição mais
razoável para comportamentos abusivos, mas sem violência, que de alguma
forma prejudiquem injusta, individualmente e comprovadamente outras
pessoas, notadamente por sua opção sexual.
Minha
posição é clara: devem ser agravadas as penas previstas no Código Penal
por assassinato ou agressão quando praticadas contra homossexuais, de
forma claramente relacionada a ódio ou preconceito. Deve ser coibida e
punida com severidade a incitação à violência nesse contexto. Mas
defendo que apenas os casos envolvendo violência possam ser punidos com
prisão.
Devem doer
no bolso delitos -comprováveis e comprovados- que acarretem inequívoco e
personalizado dano moral (vedação de ingresso em estabelecimento) ou
profissional (tipo: “bullying”, demissão abusiva) a gays, deficientes,
ou religiosos de alguma crença em razão de ódio e preconceito.
Sou
totalmente contra criminalizar e prender pessoas por delito de
opinião/expressão. A liberdade de expressão não se restringe ao discurso
“politicamente correto”. O imbecil, o energúmeno, o preconceituoso tem
direito a se exprimir --desde que não incite à violência e ao crime-- e
pontificar suas barbaridades. Coibi-lo na minha opinião ameaça a
democracia.
Defenderei
sempre o direito do Bolsonaro e do Feliciano dizerem suas barbaridades e
os combaterei com outras palavras na tribuna, na imprensa e na
internet, como tenho feito.
Já a “defesa da honra” fica a cargo da litigância cível. Os ofendidos podem acionar os difamadores na forma da lei existente.
O pano de
fundo dessa discussão na Rede é crucial pois nesse aspecto
funcionaremos como microcosmo da realidade brasileira. Se não
conseguirmos administrar isso no nosso contexto, a sinalização para o
Brasil como um todo será terrível.
Os
evangélicos são uma força importantíssima na sociedade brasileira –junto
com os católicos-- e nós, de sensibilidade laica/libertária,
precisamos saber dialogar em eles sobre esses temas: direitos gays,
aborto e drogas buscando um terreno comum que possa ser encontrado na
pregação de Cristo e na própria Bíblia --dependendo a interpretação, no
caso desta última- mas explícita na pregação de JC.
Devemos nos
armar de infinita paciência para esse diálogo. Digo-lhes, sempre, que
embora eles possam não aceitar o homossexualismo devem respeitar os
homossexuais e aceitar que numa republica laica estes têm todo o direito
a uma vida em comum e a constituir família à luz dos direitos que nossa
sociedade laica confere via matrimônio civil.
Que nesse
sentido só caberia sua resistência política e sua mobilização se de
alguma forma absurda o estado quisesse obrigar as igrejas a celebrarem
esse tipo de casamento, o que naturalmente não é o caso.
E se Jesus
ama a todos –inclusive os gays-- não cabe a um cristão comportamento
que os faça sofrer enquanto seres humanos. No mais Deus cuidará do
assunto, no final.
[...]
Precisamos
nos dar conta que simetricamente à intolerância religiosa, existem
aquele sectarismo típico da cultura de extrema esquerda, que viceja
entre nós, bem como o tipo de abordagem “identitária” da questão gay
que privilegia a “luta anti-homofobia” e o “orgulho”. São discursos que
criam, do lado laico-progressista, uma barreira ao entendimento com
determinados segmentos evangélicos com os quais poderíamos eventualmente
nos entender com base na democracia e no amor ao próximo.
A forma como
conseguiremos, ou não, resolver essa questão entre nós será
sintomática do destino futuro da nossa sociedade: será ela laica,
democrática, tolerante e plural? Ou ficará “balcanizada”, tribalizada,
sectária, hostil e mutuamente intolerante?
Eis a questão.
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