O ganho de peso é maior do que se pensava, mas há solução
Fonte- Revista Época
Algumas verdades são tão eloquentes que nem os malabarismos do discurso politicamente correto são capazes de silenciá-las. Na saúde, há várias delas. Uma das principais: fumar tira o apetite e ajuda a emagrecer. Não gostaria que isso fosse verdade. Infelizmente, é.
Na tentativa de perder alguns quilinhos, muitas adolescentes acendem o primeiro cigarro e nunca mais se livram dele. No mundo da moda, fumar para “secar” é uma prática comum. Foi assim com a ex-modelo e atriz Letícia Birkheuer, 33 anos. Ela era jogadora de vôlei no Rio Grande de Sul quando foi convidada a estrear nas passarelas.
Tinha um corpo atlético demais e precisava afinar. No primeiro trabalho, aos 18 anos, foi aconselhada a fumar. A dica e o primeiro cigarro vieram de uma modelo mais experiente. “Não demorei a me viciar – o cigarro era meu refúgio. Era cool fumar no mundo da moda”, diz Letícia.
Ela tentou parar quatro vezes. As primeiras, com ajuda de adesivo e chiclete de nicotina, não deram certo. Na terceira, tomou remédio e passou quatro meses sem fumar. Até que problemas pessoais provocaram uma recaída. Só uma motivação forte – a gravidez – fez a atriz parar de vez.
O depoimento dela e de outras 13 personalidades está na reportagem Como parei de fumar, publicada recentemente por ÉPOCA. São depoimentos reveladores, registrados em texto e vídeo, que merecem ser conhecidos e compartilhados.
Lembrei desse caso nesta semana por causa da divulgação de um estudo sobre cigarro e ganho de peso. Determinar quantos quilos as pessoas acumulam, em média, depois que deixam de fumar foi o objetivo dos pesquisadores coordenados por Henri-Jean Aubin, professor de psiquiatria do Hôpital Paul Brousse, na França.
Eles descobriram que o ganho de peso é maior do que se imaginava. Doze meses depois de abandonar o cigarro, as pessoas engordam, em média, 5 kg. A maior parte do peso é acumulado nos primeiros três meses.
Há muito tempo se sabe que a nicotina inibe o apetite e acelera o metabolismo. Quando o organismo deixa de recebê-la, o ex-fumante engorda. A dúvida pairava sobre quanto do peso acumulado poderia ser atribuída ao abandono do cigarro. Segundo as pesquisas anteriores, a falta de nicotina seria responsável por um acúmulo de cerca de 3 kg. Segundo o novo trabalho, quem decide parar de fumar precisa estar preparado para engordar bem mais.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores analisaram dados de 62 estudos realizados com pessoas motivadas a abandonar o cigarro. O resultado foi publicado na revista científica British Medical Journal. Os pesquisadores separaram os voluntários que conseguiram parar de fumar sem nenhum tratamento e os que usaram adesivos de nicotina ou as drogas bupropiona ou vareniclina. Os dois grupos foram separados para que o ganho de peso não pudesse ser atribuído aos medicamentos.
No grupo que conseguiu se livrar do cigarro sem remédios ou adesivo, as pessoas engordaram, em média, 1 kg no primeiro mês. No terceiro mês, o acúmulo chegava a quase 3 kg. Seis meses depois, havia passado de 4 kg. Doze meses depois, estava próximo de 5 kg.
Esse é o padrão geral, mas muitos indivíduos escapam dele. Segundo os pesquisadores, um quarto dos participantes ganhou menos de 2 kg ou até mesmo emagreceu depois de abandonar o cigarro.
Isso costuma acontecer com aquelas pessoas que se livram do vício ao mesmo tempo em que fazem uma revisão da vida. Mudam tudo e conseguem alcançar outro patamar de qualidade de vida.
Passam a comer melhor e a praticar esportes. Para quem quer ter sucesso no projeto de viver sem cigarro nenhuma medida é mais eficaz que levar a atividade física a sério. Enquanto corre, nada ou anda de bicicleta raramente alguém sente vontade de fumar.
Foi assim que o médico Drauzio Varella se livrou de um vício de 19 anos e virou maratonista. Para muita gente, funciona.
Para compensar o ganho de peso provocado pela falta de nicotina, é fundamental comer menos e gastar mais energia. E também pensar no que o acúmulo de alguns quilos realmente representa. Qual é o impacto de uns quilinhos a mais sobre a condição geral de saúde do organismo? “Um ganho modesto de peso não aumenta o risco de morte, mas fumar aumenta”, escreveram os autores do estudo.
Tarde é sempre melhor que nunca. “Parar de fumar aos 40 anos aumenta a expectativa de vida em nove anos, mesmo que a pessoa engorde um pouco depois de largar o cigarro”, diz o francês Henri-Jean Aubin, que liderou a pesquisa.
Nos últimos anos, cresceu a consciência sobre os males do tabagismo, a principal causa evitável de morte em todo o mundo. Um em cada dois fumantes morre de doenças cardiovasculares, câncer e uma lista enorme de males associados ao vício. São 5 milhões de óbitos por ano – 200 mil deles no Brasil.
A população brasileira fumante caiu de 35% em 1989 para 15% em 2011. Um fenômeno, infelizmente, não se alterou: a idade precoce da primeira experiência com o cigarro. Em algumas capitais, ela ocorre por volta dos 13 anos. No interior, aos 10.
Aí está a crueldade do tabagismo: os garotos se tornam viciados antes que tenham maturidade para tomar decisões conscientes. Cigarro nunca foi e nunca será uma questão de escolha – por mais que o lobby da indústria tabagista tente nos convencer do contrário.
Proteger os adolescentes e apoiar os adultos dependentes é um dever de todos. Aqui um guia preparado pelo Instituto Nacional de Câncer. Se você conhece alguém que fuma, espalhe a mensagem. É verdade que parar de fumar pode engordar, mas há solução. Uma solução que pode transformar a vida para melhor. Para muito melhor.
(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras)
E você? Tem medo de parar de fumar e engordar? Conhece alguém que conseguiu se livrar do vício e contornar o ganho de peso? Conte pra gente e ajude quem está na mesma situação. Queremos ouvir sua história.
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