Quando eu era criança, a Super Interessante era pra mim a
melhor revista de todos os tempos do mundo inteiro. Do alto dos meus 11 anos,
eu exibia a Super como uma relíquia, lia de capa a capa, se possível ininterruptamente,
inclusive à mesa, durante as refeições. Acompanhava atentamente os mapas
estelares, e por várias vezes fiz meu pai acordar no meio da noite para subir
no telhado e assistir o alinhamento de planetas e outros fenômenos estelares.
Mas um dia eu li uma cartinha do editor da revista se
despedindo, e logo a revista perdeu os mapas estelares e pouco a pouco, o resto do
encanto. Essa história de final triste eu devo a uma característica que eu mantenho e
aprecio nas pessoas: gosto de coerência. E o seu argumento tem que ser mais
forte que o meu. Não sou de discutir, mas sou de ler e analisar. Opinião para
mim é questão de informação e coerência, não de ser Maria-vai-com-as-outras.
E o que eu não aceitei na Super, foi abraçar tão fortemente
o evolucionismo, mas tão fortemente, que ela faz qualquer coisa pra não largar
desse abraço. Ela quebra as regras do jornalismo com sua descarada parcialidade.
E não estou pedindo que os repórteres se batizem nem comecem a dizimar seus
salários, mas na hora de falar da Bíblia, o tom é de clara superioridade e
óbvia falta de leitura séria da mesma.
A última revista da Super Interessante traz na capa o título
“A Bíblia como você nunca leu”. Estou reproduzindo abaixo uma defesa de Luis Gustavo Assis - Bacharel em Teologia, e publicado originalmente no
Blog deMichelson Borges a respeito da abordagem da revista na matéria.
Um Livro
antigo e os anões
“Sam, poderia nos contar a parábola do bom samaritano?”, perguntou
o pastor responsável por entrevistar o jovem que desejava se tornar ministro.
Sam começou a contá-la: “Um homem estava viajando de Jerusalém para Jericó e
ele caiu no meio dos espinheiros. Aconteceu que ele perdeu o dinheiro. Então,
ele se dirigiu à rainha de Sabá, e ela lhe deu mil talentos de ouro e uma
centena de vestes. O homem tomou uma carruagem e dirigiu ferozmente. Enquanto
ele dirigia, seu cabelo ficou preso numa árvore. Ele ficou pendurado lá muitos
dias e os corvos trouxeram comida para ele comer e água para beber. Mais tarde,
quando novamente estava faminto, ele comeu cinco pães e dois pequenos peixes. E
uma noite, enquanto ele estava dormindo, pendurado ali, sua esposa Dalila veio
e cortou seu cabelo, e ele caiu em um solo pedregoso. Nisso, começou a chover
por quarenta dias e quarenta noites, até que ele entrou numa caverna e
sobreviveu comendo gafanhotos e mel silvestre. Então, ele encontrou um servo de
Deus que disse: ‘Venha jantar em minha casa’, mas ele começou a dar desculpas e
respondeu: ‘Não, eu não vou. Casei-me com uma mulher e não posso ir.’ Após ter
sido pressionado pelo servo de Deus, ele foi. Logo depois do jantar, ele se
dirigiu para Jericó. Chegando lá, ele viu a rainha Jezabel sentada numa janela,
no alto. Ela riu desse homem o que o fez ordenar: ‘Joguem essa mulher para
baixo.’ Eles a jogaram. O homem novamente disse: ‘Joguem-na para baixo.’ E eles
a jogaram de novo, setenta vezes sete. Os restos que sobraram encheram doze
cestas. Então eles lhe perguntaram: ‘Na ressurreição, de quem ela será
esposa?’”
Apesar de criativa, essa não é a parábola do bom samaritano.
Conhecimento superficial da Bíblia não era exatamente o problema desse jovem.
Compreendê-la de maneira sensata e lógica era sua maior necessidade. Foi mais
ou menos assim que imaginei os autores Alexandre Versignassi e Tiago Cordeiro,
na matéria “A Bíblia como você nunca leu”, publicada na revista Superinteressante
(junho de 2012). Sensatez e seriedade – e eu acrescentaria uma pitada de
honestidade com os fatos – foi o que de fato não encontrei ao longo das
páginas dessa reportagem.
Isolar um texto do seu contexto literário e histórico é algo
no mínimo perigoso e irresponsável. O respeitado arqueólogo agnóstico William G. Dever, em sua obra What
the Biblical Writers Know and When Did They Know it? [O que os
Autores Bíblicos Sabiam e Quando eles Ficaram Sabendo?, em tradução livre]
(Eisenbrauns, 2002), ataca ferozmente essa postura desconstrucionista de deixar
o leitor com as rédeas do conteúdo lido, não o autor da obra. Esse
comportamento tem sido visto em diversas áreas do saber, inclusive no que diz
respeito à literatura sagrada judaico-cristã.
Usando uma palavra do vocabulário religioso, gostaria de
dizer que a matéria da Super pecou em três aspectos:
Primeiro: muitos céticos e cristãos se esquecem de
que as Escrituras foram produzidas há aproximadamente três milênios, foram
escritas em outros idiomas (hebraico, aramaico e grego) e por pessoas com uma
mentalidade bem diferente daquela a que estamos acostumados no mundo ocidental.
O ateu Sam Harris pode ser um bom neurocientista, mas é alguém com pouquíssimo
preparo para ser um intérprete bíblico, como pode visto em sua obra Carta a
uma Nação Cristã (Cia. das Letras, 2007). Harris cometeu erros crassos
comparando leis e regulamentos bíblicos com a sociedade pós-iluminista! Ciente
desse tipo de comparação em seus dias, C. S. Lewis qualificou essa prática como
“desdém cronológico”. Para que essas leis e regulamentos façam sentido, devemos
compará-las com documentos do 3º e do 2º milênios antes de Cristo.
Segundo: a necessidade de uma diferenciação entre
descrever e prescrever. Dizer que Lameque teve duas mulheres (Gn 4:19) não
sugere que os que creem na Bíblia como Palavra de Deus imitem esse
procedimento. Nem que os relatos de relações incestuosas nas páginas do Antigo
Testamento devam ser imitados por nós hoje. Podemos extrair princípios
positivos e negativos de cada uma das histórias, mas isso não implica em imitar
o comportamento de seus personagens. Com isso não estou querendo amenizar o
conteúdo de certas porções das Escrituras que são chocantes, em alguns
momentos, mas apenas ressaltar o que essas porções de fato são: narrativas.
Terceiro: apesar de o título da matéria sugerir uma
novidade nunca vista, muito já foi dito e escrito a respeito dos tópicos ali
levantados, e é lamentável perceber como respeitados pesquisadores foram
deixados de lado. Há pouco mais de um ano, foi lançada a obra Is God a Moral
Monster? Making Sense
the Old Testament God
(Baker, 2011), de Paul Copan. São mais de duzentas páginas lidando com
passagens difíceis do Antigo Testamento. Copan é cristão, mas será que
automaticamente isso o desqualifica para ter suas opiniões contrastadas com as
dos pesquisadores citados?
Vejamos como essas três considerações nos ajudam a entender
os questionamentos levantados pela matéria de Alexandre Versignassi e Tiago
Cordeiro.
Escravidão. Essa foi a primeira lei que Deus deu aos
israelitas, quando eles saíram do Egito (cf. Êx 21:1-11). Na lei mosaica,
sequestrar alguém para ser vendido como escravo era um crime punido com pena
capital (Êx 21:16). Um escravo hebreu deveria trabalhar apenas seis anos para
pagar sua dívida, sendo libertado no sétimo ano, sem pagar nada (Êx 21:2). Além
disso, ele deveria receber de seu proprietário alguns animais e alimentos para
recomeçar a vida (Dt 15:13, 14). Durante seu período de serviço, o(a)
escravo(a) teria um dia de folga semanal, o sábado (Êx 20:10).
Notou alguma diferença entre a escravidão bíblica e aquela
mantida em nosso país, há alguns séculos? A diferença também é significativa
quando comparamos essas passagens bíblicas com o famoso Código de Hamurabi, rei
de Babilônia, no 18º século a.C. Se algum escravo fugisse, ele deveria ser
morto; enquanto em Israel esse escravo deveria ser protegido (Dt 23:15, 16).
Proteger um escravo fugitivo, em Babilônia, era uma grande ofensa, também
punida com morte, como evidenciado nas leis 15-20 do referido código.
Alguém pode questionar o motivo pelo qual Deus não aboliu a
escravidão entre os israelitas. Lembre-se de que eles estavam inseridos numa
cultura impregnada dessa prática. Mesmo que Deus a abolisse, isso não mudaria a
forma como eles pensavam. A título de ilustração, imagine o árduo processo
cultural para tornar a Arábia Saudita em uma democracia! Mesmo que essa mudança
fosse feita, ainda levaria um bom tempo até que a mentalidade da nação fosse
mudada. No entanto, a legislação israelita oferecia um tratamento muito mais
humano para os escravos, colocando escravo e senhor em pé de igualdade (cf. Jó
31:13-15). No livro Is God a Moral Monster?, Copan se demora nesse
assunto, demonstrando as diferenças positivas dessa atividade em Israel com o
restante do Antigo Oriente Médio.
Juros. A matéria cita uma passagem inexistente:
Deuteronômio 23:30. O texto correto é Deuteronômio 23:20, onde lemos: “Ao
estrangeiro emprestarás com juros, porém a teu irmão não emprestarás com juros
para que o Senhor, teu Deus, te abençoe em todos os teus empreendimentos na
terra a qual passas a possuir.” A primeira impressão do texto é óbvia: “bênção”
como resultado de um tratamento de exploração para um não israelita. O que os
articulistas se esqueceram de notar é que o termo hebraico para estrangeiro,
nessa passagem, é nokri, que está relacionado com alguém que estava em
Israel para fazer negócios e não para viver nessa nação, como é o caso do
vocábulo ger, também traduzido como estrangeiro na maioria das versões
bíblicas. Em outras palavras, para aqueles que estavam em Israel com propósitos
monetários, deveriam ser cobrados juros. Uma séria introdução para o assunto
das finanças na Bíblia pode ser lida em Nem Riqueza, Nem Pobreza: As posses
segundo a teologia bíblica (Esperança, 2009), escrita por Craig Blomberg,
do Denver Theological Seminary, nos EUA.
Vinho. Existem várias palavras para vinho nas línguas
originais do Antigo e do Novo Testamentos. Realmente, não é tão simples
estabelecer com precisão quando a Bíblia está falando do puro suco de uva ou do
vinho (fermentado). No entanto, de acordo com o erudito em Novo Testamento D.
A. Carson, da Trinity Evangelical Divinty School, se alguém deseja ter uma
ideia de como era tomar vinho nos tempos bíblicos, é necessário diluir uma
medida de vinho em duas de água. É por isso que o Apocalipse faz menção da taça
da ira de Deus “sem mistura” (Ap 14:8). Essa era a prática comum nos dias de
Cristo. Quando não havia essa mistura e o vinho era bebido puro, era
considerado “bebida forte”, como aparece em diversas passagens bíblicas.
No caso da Santa Ceia, a última refeição de Jesus com Seus
discípulos, o que temos ali era suco de uva, já que naquele mesmo dia teve
início a festa dos pães asmos, ou sem fermento, em que qualquer alimento ou
bebida fermentada deveria ser retirado da casa dos israelitas por uma semana.
Sendo judeu, dificilmente podemos imaginar Jesus tomando algo como nosso vinho
tinto naquela ocasião.
Sexualidade. Para aqueles que afirmam a Bíblia tem
uma visão estreita sobre a sexualidade, sugiro a leitura de Cântico dos
Cânticos. Trata-se de um longo poema que descreve o amor entre um rei, isto é,
Salomão, e sua amada, carregado de um belo simbolismo erótico. Ao longo dos
oito capítulos, não se encontra em lugar algum a ideia do sexo para procriação,
apenas como fonte de prazer. Esse conteúdo “surpreendente” levou diversos
teólogos cristãos a fazerem uma leitura alegórica do livro, tentando, assim,
apresentar um relacionamento entre Deus (o rei) e Sua igreja (a esposa). Após a
reforma protestante no século 16, o livro de Cantares começou a ser analisado
como ele é de fato: um poema amoroso. Uma excelente introdução ao assunto da
sexualidade no Antigo Testamento por ser vista em The Flame of Yahweh:
Sexuality in the Old Testament (Hendrickson, 2007), escrito por Richard
Davidson, da Universidade Andrews (EUA).
A imagem da sexualidade que se obtém das páginas da Bíblia
Hebraica foi sumarizada por Davidson nestes cinco itens: (1) a sexualidade foi
criada por Deus; (2) a sexualidade é para casais; (3) a sexualidade representa
igualdade; (4) a sexualidade é fonte de prazer; (5) a sexualidade revela a
imagem de Deus. A influência católica a que fomos expostos não nos permite
observar esses tópicos com naturalidade. No entanto, cada um desses assuntos
pode ser apreciado numa leitura natural dessa obra de Salomão e dos dois
capítulos iniciais de Gênesis.
Poligamia. Se essa (acima) é a imagem da sexualidade
nas páginas da Bíblia, o que fazer com aqueles textos em que lemos sobre Davi e
Salomão tendo várias mulheres? O exemplo citado na Super é o mais
gritante: o harém de Salomão contava com setecentas mulheres (1Rs 11:3). A
passagem também menciona que ele tinha trezentas concubinas. De acordo com
James Hoffmeier, respeitado egiptólogo também da Trinity Evangelical Divinity
School, nos EUA, quando um rei enviava sua filha para se casar com outro
monarca, era comum enviar algumas servas com a noiva. Essa prática é recorrente
nos tabletes de Tell-el-Amarna, descobertos no Egito, no século 19. É bem
provável que estejamos vendo essa prática na vida de Salomão.
Independentemente disso, o fato é que uma leitura atenta das
narrativas de homens que se envolveram na prática da poligamia demonstra não
somente a desaprovação divina, mas também os fracassos resultantes. As
histórias de heróis bíblicos que se aventuraram nessa prática, entre eles
Abrãao, Jacó, Esáu, Gideão, Davi e o próprio Salomão, registram consequências
desastrosas para os filhos e as gerações posteriores. É prudente se lembrar de
que a frase “o homem segundo o coração de Deus” aplicada a Davi (1Sm
13:14), foi dada num período em que esse personagem provavelmente nem sequer era
casado. Em momento algum os autores bíblicos endossaram a prática promíscua de
Davi e dos homens citados anteriormente.
Homossexualidade. Mesmo se Davi tivesse tido relações
íntimas com seu amigo Jônatas – o que não concordo –, é preciso se lembrar de
que, pelo fato de a Bíblia narrar um incidente, isso não significa que ela o
aprove. O motivo pelo qual as Escrituras mantêm opinião contrária às práticas
homossexuais é simples: sexualidade é algo sagrado. Não podemos violá-la. Esse
é o mesmo motivo pelo qual as Escrituras se opõem ao racismo: nossa etnia é
sagrada, fomos feitos à imagem e semelhança de Deus (Gn 1:26). Remover o
fundamento que se opõe à homossexualidade é também remover o fundamento segundo
o qual não existem diferenças entre raças.
Puro e impuro. As leis de pureza e impureza não foram
uma invenção da religião israelita. O acadêmico adventista Roy Gane, que
estudou sob a tutela do falecido rabino Jacob Milgrom, uma das maiores
autoridades sobre o livro de Levítico, demonstra claramente esse tipo de
legislação ritual em todo o território do Antigo Oriente Médio em sua obra The
NVI Application Commentary Leviticus and Numbers: From the biblical text... to
contemparary life (Zondervan, 2004). De acordo com Gane, essas leis estavam
relacionadas com vida (pureza) e morte (impureza). Tudo o que lembra morte,
isto é, emissão de sangue, sêmen, tocar em um cadáver, lepra, etc. era
considerado impureza. O Deus bíblico age de acordo com a realidade daqueles
para quem Ele Se revela. Em lugar de simplesmente encerrar as práticas de
sacrifícios, Ele instituiu um objetivo para o qual todos os sacrifícios de
animais apontariam a partir daquele momento. A religião israelita era uma
religião ritualística, e, como tal, encontrou seu cumprimento no ministério e
na morte de Jesus Cristo, para quem quase todos os regulamentos apontavam.
Valorização da mulher. Ao contrário do que a matéria
da
Super apresentou, a Bíblia coloca a mulher numa posição elevada.
Apenas a título de ilustração, ela é criada em igualdade com o homem, como
evidenciado na expressão hebraica
‘ezer kenegdo (“auxiliadora idônea”,
Gn 2:18), dando a ideia de um parte correspondente. Em Provérbios 31, a mulher
é apresentada como desenvolvendo atividades de extrema importância, como
escolha de um terreno para compra. No livro de Jó, onde há elementos
linguísticos, geográficos e históricos que situam os eventos narrados durante o
fim do 3º milênio a.C., as filhas de Jó recebem uma herança, assim como os
filhos. Isso é inédito para aquela época. Jó está em desacordo com as leis da
época, mas age como Deus agiria: com
igualdade.
No Novo Testamento, a situação é ainda mais clara. A
valorização da mulher por parte do fundador do cristianismo é algo fascinante.
Em João 4, Ele conversa com uma mulher à luz do dia, prática essa totalmente
desencorajada naquela sociedade. No relato de Sua ressurreição, a primeira
pessoa a encontrá-Lo ressuscitado é uma mulher, Maria Madalena. O testemunho de
uma mulher não era sequer levado a sério num tribunal, como atesta o
historiador judeu do 1º século d.C. Flávio Josefo. Mesmo assim, a pessoa a quem
Jesus resolveu Se mostrar após o evento que Lhe garantiu a vitória sobre a
morte foi uma mulher.
Dizer que as mulheres deviam ser submissas aos maridos (Ef
5:22) é apenas uma parte da verdade. Existe uma responsabilidade masculina:
“Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a Si mesmo Se
entregou por ela” (Ef 5:25). Não há espaço para um comportamento tirânico por
parte do homem. O respeito da esposa pelo marido deve ser balanceado com o amor
incondicional do esposo pela esposa. Dificilmente pode-se ver machismo aqui.
A publicação desse artigo da Super me fez lembrar de
uma história. C. S. Lewis, no livro A Última Batalha, o último da sua
obra As Crônicas de Nárnia, descreve a maior crise já enfrentada pelos
narnianos. Uma falsa representação de Aslam, o Grande Rei, minava a esperança
no coração dos moradores de Nárnia. No entanto, o rei Tilian e duas crianças
vindas de Londres estavam dispostos a lutar pela liberdade daquele país. Quando
eles viram um grupo de anões sendo levados como escravos, renderam os guardas
que os levavam e puseram em liberdade os prisioneiros. Em lugar de um
sentimento de gratidão e da prontidão de lutar pelo verdadeiro Aslam, os anões
se tornaram céticos quanto à existência do Leão. O que se ouviu foram frases
carregadas de desprezo e indiferença em relação Àquele que fundara Nárnia.
Apenas um dos anões se uniu ao grupo do rei Tilian. No fim da história, quando
o próprio Aslam se revela, esses mesmos anões conseguem se tornar mais céticos.
Belas violetas para eles são como palha. O local paradisíaco em que eles estão
é somente escuridão na mente deles. Finalmente, o Leão lhes oferece um
maravilhoso banquete, mas, ao comerem, pensavam estar comendo capim e bebendo
água suja tirada do cocho de um jumento. Reclamações, injúrias era tudo o que
eles conseguiam dizer. “Eles não nos deixarão ajudá-los”, disse Aslam.
“Preferem a astúcia à crença”.
Os anões de Nárnia se parecem com a nossa sociedade
ocidental. Não foi uma cosmovisão panteísta ou naturalista que nos trouxe ao
patamar em que nos encontramos de tolerância e igualdade. O único fundamento
que poderia ter proporcionado essa moldura moral que temos hoje é o teísmo
judaico-cristão. Liberdade de consciência não foi uma contribuição do
Iluminismo, mas, sim, da Reforma protestante do século 16. Mesmo assim, muitos
se tornam vorazes combatentes da fé cristã e, como britadeiras, desejam
destruir o fundamento sobre o qual estão em pé. O jornalista Matthew Parris,
ateu e homossexual, foi claro em um dos seus artigos no jornal britânico
The Times, afirmando que a África precisa de Deus. Quem
sabe, em breve, vejamos alguém com essa sinceridade dizendo que nossa nação
precisa de Deus.
Hoje eu não assino, e raramente leio a Super. O desencanto
continua. Só ficou mesmo a saudade dos mapas estelares.