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quinta-feira, 5 de maio de 2011

Supremo Tribunal Federal e o Casamento Gay

O Supremo Tribunal Federal começou a decidir nesta quarta – e o julgamento será retomado nesta quinta – a constitucionalidade da tal “união homoafetiva”, um nome, assim, bastante dessexualizado para “casamento gay”. Qual é o problema dessa gente com as palavras? Para mais detalhes sobre o caso, clique aqui. O relator do caso é o ministro-poeta Calos Ayres Britto, que já leu o seu voto. Também se posicionaram o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. Todos são favoráveis. Já chego lá. Antes, algumas considerações. Para surpresa de alguns, de um e de outro lado do debate, sou favorável ao casamento gay e não me oponho, sob certas circunstâncias, à adoção de crianças por casais do mesmo sexo [quanto ao casamento civil, que cada um “case” com quem quiser, mas continuo defendendo que as crianças precisam de pai e mãe – MB]. Mas eu também cobro “circunstâncias adequadas” dos héteros. O debate é longo, complicado. No arquivo, vocês encontram argumentos às pencas, inclusive de quem discorda de mim. A coisa a que eu me oponho, aí sim, é à violação da Constituição e à argumentação capenga. A Constituição é omissa ou explícita em relação ao casamento? É explícita. Assim:




“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.”



O Parágrafo 3º é regulamentado pela lei 9.278/96, que define a união estável, a saber:



“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.”



Pouco importa o que eu, Britto, Gurgel, Adams e a torcida do glorioso Corinthians achemos, temos, como se vê, uma Constituição e uma lei que tratam do assunto. Ou elas são mudadas, ou o casamento gay só pode ser “aprovado” pelo Supremo se o tribunal decidir ignorar a Constituição e se comportar como legislador, usurpando uma prerrogativa do Congresso. Por que os senhores parlamentares ditos progressistas não apresentam uma emenda à Constituição para mudar a definição de família? É receio de que seja rejeitada? Mas, se for, não será a democracia em pleno funcionamento? Ou, nesse caso, para driblar uma eventual vontade do povo, apela-se ao Supremo para que ele casse a prerrogativa do Congresso?



Não dá! Das duas, uma: ou se muda o que vai nos textos legais ou se opta pela inconstitucionalidade. É simples assim. O ministro Ayres Britto é chegado a larguezas interpretativas. Ontem mesmo não entendi se ele tentou ser cartorial, fescenino ou bíblico [?] ao definir os órgãos genitais, mas não há poesia que consiga mudar a gramática hormonal desta tautologia – atenção para o sujeito, o verbo de ligação (também chamado “cópula” nas antigas gramáticas) e o predicativo destas duas frases: “Homem é homem; mulher é mulher.” Homem tem bingolim, não importa que destinação dê a ele; mulher tem borboletinha, idem para a destinação. O casamento da Constituição ou a união estável da Lei 9.278 é a união do bingolim com a borboletinha. Sem apelo. Ou que se mudem os textos, caramba!



No seu voto, sempre looooongo, o ministro Britto foi a altitudes esplendorosas e cometeu o seguinte assassinato da Lei da Evolução [sic]: “O órgão sexual é um plus, um bônus, um regalo da natureza. Não é um ônus, um peso, em estorvo, menos ainda uma reprimenda dos deuses.” [Do ponto de vista criacionista, a gafe de Britto é ainda pior. O pênis não é um “bônus da natureza”, é um órgão complexo criado por Deus, dentro do propósito dEle para o verdadeiro casamento entre homem e mulher - MB.]



É um daqueles casos em que Didi Mocó indagaria: “Cuma?” Vou, só para mostrar que sou uma pessoa do diálogo, concordar com aquilo que o ministro acha que o sexo “não é”. Mas, no que é, ele está erradíssimo. Ministro: a vocação de toda espécie é perpetuar-se; a do indivíduo de cada espécie é reproduzir-se. O dito “órgão” não é regalo, não!, um presentinho da natureza! É a essência do negócio, o senhor entende? Como poesia, a constatação é ruim; como ciência, é uma grande batatada. Se o órgão sexual fosse um bônus, a natureza teria inventado meios mais eficazes de garantir a reprodução. Ela é assexuada só em formas mais primitivas de vida. Muito antigamente, havia a crença popular de que o vento inseminava os urubus. Bem, não somos urubus que ganharam um “regalo”…



“Ah, mas os humanos não fazem sexo só para reprodução; também fazem por gostosura!” Eu sei. Ainda bem, né? Mas isso não confere cientificidade à fala do ministro. Ademais, as palavras a que ele recorre não deixam de ser engraçadas. Freudianos ortodoxos talvez concordassem, no terreno dos símbolos, que o bingolim é um “plus”. Já a borboletinha… A diferença gerou uma questão polêmica: “Mas o que querem as mulheres?” Convenham: o Brasil pede cada vez mais senso de humor.



Aí alguém dirá: “Pô, Reinaldo, o ministro não estava falando como cientista.” Entendo! Então era como jurista, doutor em direito? Repito a frase: “O órgão sexual é um plus, um bônus, um regalo da natureza. Não é um ônus, um peso, em estorvo, menos ainda uma reprimenda dos deuses.” Que saber é esse? Direito é isto aqui: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.” O resto é poesia ruim.



Roberto Gurgel, procurador-geral da República também falou, a saber: “Os homossexuais devem ser tratados com o mesmo respeito e consideração que os demais cidadãos, e a recusa estatal em reconhecer uniões implica não só privá-lo de direitos como também importa em menosprezo a sua própria dignidade.”



Concordo, claro! Mas o que isso tem a ver com o que está escrito na Constituição? Aí ele avança: “Esta ausência de referência [de casais do mesmo sexo na Constituição e na lei] não significa, de qualquer modo, o silêncio eloquente da Constituição Federal. Não implica, necessariamente, que a Constituição não assegure o seu reconhecimento.”



Isso é puro opionismo. Então ele precisa provar. Em algum lugar, há de estar ao menos sugerido o casamento gay. E eu lhes asseguro (a Constituição e a lei são de domínio público): não está!



Aí foi a vez de Luis Inácio Adams, advogado-geral da União: “Esse reconhecimento que vem acontecendo mostra que o primeiro movimento de combate à discriminação é a partir do Estado. Temos visto, na nossa sociedade, violentas manifestações de agressão às relações homoafetivas, mas que só serão passíveis de rejeição à medida que o Estado for o primeiro a rejeitar essa discriminação.”



Não acho uma opinião imune a um debate conceitual sobre o papel do Estado, mas deixarei isso pra lá agora. Pergunto ao sr. advogado-geral se ele considera que o Poder Legislativo é ou não parte integrante do Estado. Em sendo – e ele sabe que é –, pergunto-lhe também se cabe ao Supremo zelar pela Constituição ou lhe emprestar o sentido que der na telha de um ministro porque, afinal, se quer fazer justiça… Pior: ao fazê-lo, cabe usurpar a prerrogativa de outro poder ou mudar o sentido das palavras?



O pior é que acho que o Supremo tende a votar com Britto porque o lobby gay é poderoso, como vimos não faz tempo. Consegue satanizar as pessoas em três tempos e conta com amplo apoio da imprensa. Já os defensores da Constituição são mais discretos e menos influentes. É possível que os ministros não queiram a pecha de homofóbicos só porque entendem que o “homem”, de que fala a Contituição, é o que tem bingolim, e a mulher, a que tem borboletinha, pouco importando, como diria Britto, como cada um se regala com o seu “plus”, com o seu “bônus”.



Se o Supremo ficar livre para redefinir os conceitos de “homem” e “mulher”, essa questão, assim, tão primitiva, então ficará livre para dar o sentido que quiser a qualquer outra palavra. Sempre que alguma questão for influente e contar com grupos organizados de pressão, o tribunal corre atrás. Eu estou pouco me lixando para aquilo que cada um faz com o seu “plus” desde que não envolva crianças, não seja forçado e exclua animais… Acho que os gays podem e até devem lutar por aquilo que acham justo. Mas a Constituição e a lei existem. Se elas não mudarem, o Supremo só tem uma coisa a fazer se sua referência é a Constituição. E é rejeitar o casamento enquanto a Constituição não mudar.



Ou, por outra, vejam que fabuloso: o João e o João ou a Maria e a Maria estarão abrigados pelo seguinte texto: “(…) é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar.”



P.S.: O texto acima foi publicado às 23h40 desta quarta. Eu já sei que, para alguns, sou mau como um pica-pau tanto por não ver problemas no casamento gay quanto por sustentar que ele é inconstitucional. Um já defendeu a minha excomunhão; outro já me chamou de homofóbico, e outro ainda, de “veado enrustido”. Eu já conheço todas as ofensas. Eu estou tratando de uma questão legal e constitucional. E sei que o Supremo vai acabar concordando com a teoria do “plus” e do “regalo”. Talvez seja intelectualmente mais honesto buscar o caminho da, bem…, da “poesia” do que tentar encontrar fundamentação jurídica, não é mesmo? Perigosamente mais honesto. Nos comentários, peço que os exaltados não percam tempo com os xingamentos que já conheço.



P.S. 2: Ah, sim: todos são iguais perante a lei e tal. Mas essa igualdade não muda a natureza do casamento definido na Constituição e na lei. [Sem contar a definição clara encontrada na Bíblia Sagrada: homem e mulher os criou, e esses, casados, tornam-se uma só carne – MB.]



(Reinaldo Azevedo, Veja)

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